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A precariedade das relações e o Espírito que nos une

A precariedade das relações e o Espírito que nos une

               Neste XXI domingo comum do ano B, concluímos a leitura do capítulo 6 de João que durante cinco domingos se encaixou na leitura contínua que estávamos fazendo do evangelho de Marcos e ao qual retomaremos no próximo domingo. O texto do evangelho lido hoje (João 6, 60 a 69) narra as reações dos discípulos ao discurso de Jesus em Cafarnaum quando ele se apresenta como o pão da vida. 

Os outros evangelhos tinham se referido a uma crise de Jesus na Galileia. Conforme Mateus, Marcos e Lucas, Jesus se afastou do trabalho e teria feito uma avaliação com os discípulos sobre como as pessoas percebiam a sua pessoa e a sua missão. O quarto evangelho relata essa situação de crise como reação ao discurso de Jesus. O começo do capítulo 6 já mostra uma crise entre Jesus e os discípulos. Eles não compreendem porque ele não aceita que o povo o queira proclamar rei. E Jesus se afasta deles e eles sozinhos entram na tempestade do lago. Agora, novamente, fica claro que não aceitam a proposta de Jesus. Murmuram como o povo hebreu no deserto e como os discípulos judeus murmuraram ao ouvir as palavras de Jesus.  O que de fato, os perturba e os faz desanimar é a humanidade de Jesus, (como ele pode nos dar para mastigar a sua própria carne?), a cruz como caminho de missão e a eucaristia como compromisso de partilha e doação ao mundo. 

Os discípulos reagem afirmando que tudo isso é duro demais. Skleros é o termo do qual vem a esclerose, endurecimento e entupimento de veias ou artérias. O evangelho fala do endurecimento do coração como esclerocardia. O entupimento dos canais do amor provocam essa parada cardíaca espiritual. Jesus adverte: a carne, isso é, os critérios humanos, o modo de ser e de pensar do sistema dominante no mundo, de nada vale. É o Espírito que faz viver. E pergunta: Como será quando vocês verem este Humano subir para onde estava antes?  Subir para onde? Para Jerusalém de onde ele tinha vindo e subir para enfrentar as autoridades? Ou a comunidade entendeu: subir para o céu? Isso significa: vai ser o crucificado e que se doou à vida do mundo que é resgatado por Deus. 

É como se, hoje, Jesus nos dissesse: o critério para ser de Deus não é ser religioso ou religiosa. Não é ser apegado às tradições. É quem dá sua carne – a sua vida – o seu tempo e seu espírito para ser mastigado (esse é o verbo grego) pelas pessoas para a vida da humanidade e do mundo. E aí a eucaristia tem de sinalizar e expressar isso e não ser apenas a carne, isso é, o sacramentalismo e o rito pelo rito. 

Essa crise atinge até hoje as Igrejas cristãs e desafia a cada um/uma de nós como discípulo ou discípula. De fato, sabemos como as relações humanas são frágeis e, por mais que queiramos, é como se no compromisso, parece que só vamos até certo ponto. 

À luz desse evangelho, olhamos, hoje, a fragilidade da caminhada das comunidades, a dificuldade imensa, quase impossibilidade das Igrejas como Igrejas serem proféticas, (o poder sagrado seduz e impede e todos nós somos, como dizia Calvino, uma fábrica de ídolos). E olhamos a nossa própria fragilidade. Mas, como diz Jesus: a carne de nada vale. Isso significa o esforço humano e a capacidade humana é mesmo assim. É o Espírito que dá vida e aí sim podemos confiar. “Ninguém pode vir a mim se isso não lhe for dado pelo meu Pai”. 

O Espírito não nos exime das crises. E na hora da crise, só há mesmo a resposta de Pedro em nome de todos (por isso ele fala no plural): Para onde iríamos, Senhor? Sair dessa, escapar desse compromisso até gostaríamos. Fugir é nossa tentação. Mas, para onde? E Pedro completa: “Tuas exigências comunicam vida de modo definitivo” (essa é a tradução literal do grego, segundo Juan Matteo). Será que percebemos que a palavra é radicalmente exigente mas justamente por isso: porque comunica vida já que é comunicação de um amor que dá a vida pelo outro. Que Deus nos faça viver isso, seja no compromisso social e político, seja nas nossas relações pessoais e no nosso modo de ser. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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