A profecia da justiça em tempo de graça
Nesse domingo, o evangelho proclamado nas Igrejas retoma a cena lida no domingo passado. Ali, ouvimos como Lucas apresenta João Batista. Agora, de forma mais concreta e quase detalhada, escutamos a mensagem do profeta. O texto tem duas partes. Na primeira, duas categorias perguntam a João: “O que devemos fazer?”. Na sociedade judaica do tempo de Jesus, as categorias humanas mais odiadas e discriminadas eram soldados (romanos) e cobradores de impostos (colaboracionistas). São justamente esses que se abrem a uma mudança. Hoje ainda a reação mais correta à mensagem de João é nos perguntar “O que devemos fazer?”.
Nem parece coincidência que leiamos esse texto do evangelho justamente na semana em que celebramos o 70º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. “O que devemos fazer?”. Como hoje, tornar mais atuais e mais efetivos esses e todos os direitos?
O Evangelho de hoje mostra João respondendo perguntas sobre o que fazer para acolher o reinado divino no mundo, ou seja, agir de acordo com a vontade de Deus. É pena que nas eleições de outubro e mesmo agora, no Brasil, parece que a maioria dos cristãos (evangélicos e católicos) ou não fizeram essa pergunta sobre como proceder para acolher o reinado divino ou já tinham a resposta que queriam escutar, antes de que viesse a resposta.
Ninguém é dono dessa palavra e nem podemos (eu e vocês) pretendermos que somos nós que sabemos o que é justo e verdadeiro. O que pode nos assegurar a busca correta é usarmos os critérios que João e Jesus usaram para a vinda do reino e estarmos sempre abertos a ouvir e dialogar.
Segundo esses critérios, o modelo de mundo e de país que foi escolhido pela maioria dos votantes é mais cruel com os pequenos, prediletos de Deus. É menos sensível à justiça e a paz do que poderia ter sido qualquer outra das hipóteses apresentadas nas eleições. E o mais duro e doloroso é ver que essa foi escolhida por uma maioria de votantes cristãos, evangélicos em sua maioria, mas também católicos em grande proporção. Será necessário um batismo de fogo para que as massas iludidas e principalmente os cristãos (na Igreja Católica grupos carismáticos, muitos padres e bispos) que votaram na extrema direita acordem?
Na Itália, falei a uma comunidade reunida que vim à Itália para um encontro internacional (Ágora dos Habitantes da Terra) para uma nova aliança da humanidade em defesa da Vida. Depois do encontro, um amigo me contou que, ao escutar a minha palavra, um padre comentou: “O que um monge tem a ver com isso???”. Parece que esse padre não está disposto a perguntar a João: “O que devemos fazer?”
A segunda parte do evangelho, João, confundido com Jesus deixa claro qual a diferença entre a função dele e a de Jesus. Nesse evangelho, mais do que anunciar a vinda de Jesus em Belém, João Batista anuncia a vinda do reinado divino no mundo. Seria a resposta do evangelho a aquele padre: “Preparar uma humanidade nova”. E essa é o apelo do Natal. Compreender essa festa apenas como lembrança do nascimento do menino Jesus é uma regressão religiosa. Jesus não volta a ser menino. Ressuscitou e está conosco e em nós.
Ainda há cristãos que contrapõem a justiça e a graça. Aproveitam algumas frases de Jesus nas quais ele comparava o comportamento ascético de João que jejuava e o dele, Jesus que comia e bebia... Mas, essa diferença de estilo e de prática de vida corresponde mais ao momento ou etapa do que ao conteúdo da mensagem. Como Jesus explicou: “Em uma festa de casamento, quando o noivo chega, não se pode jejuar. Na espera ou na ausência do noivo, sim...” (Mc 2, 18 ss). Os evangelhos sinóticos apresentam João como precursor da vinda do reino e de Jesus. O quarto evangelho fala de João mais como Testemunha do Verbo e como Amigo do Esposo da Humanidade. No tempo do Nazismo, o teólogo Dietrich Bonhoeffer insistia que se não acolhemos o chamado de Deus à justiça nunca acolheremos a sua graça. Uma coisa depende da outra. A graça de Jesus é graça que “custa caro”. É graça. Ninguém merece ou compra. É dada e por amor. Mas, custa caro porque custou ao Pai a vida do seu Filho. Jesus é testemunha do reino da justiça e da paz. Por isso, sem passar pelo caminho da justiça e sem trilhar a opção divina pela transformação desse mundo, como acolhere a graça de Deus e pensar que se vive o evangelho?
Nós todos, pessoas religiosas ou não, somos chamados/as a preparar o projeto divino no mundo. E através da renovação nossa e da sociedade. João nos mergulha na água da purificação como preparação, mas o Messias, o Consagrado será quem mergulhará o mundo no Espírito, no fogo do amor divino. Nós todos somos o João Batista de hoje, a preparar o reinado divino na gestação de um mundo novo possível.