Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

A proposta revolucionária da graça

A proposta revolucionária da graça

              Nesse 27º domingo comum do ano C, o evangelho proposto é Lucas 17, 5- 10. Sempre no caminho para Jerusalém, e portanto para a cruz, Jesus responde aos apóstolos que lhe pedem: “Senhor, aumenta-nos a fé”. As palavras de Jesus contêm comparação de sabor semítico que parece exagero: se vocês tiverem um pouco de fé poderão desenraizar uma árvore enorme e transportá-la ao mar. Jesus sabe que transportar uma árvore adulta e ainda mais plantá-la no mar é praticamente impossível. É simplesmente um modo de dizer que que a confiança (aman) em Deus nos dá uma força incalculável.  E, por falar nisso, essa conversa faz Jesus acabar contando a parábola do patrão e do empregado. Os discípulos perguntaram pela fé e Jesus responde falando sobre o serviço. Servir é o modo concreto de viver a fé. De fato, parece que, no capítulo 17, a comunidade de Lucas reúne sentenças que Jesus teria dito em contextos diferentes e sem muito nexo umas com as outras. Elas (essas palavras) devem ter sido agrupadas pelo evangelho a partir das parábolas sobre a amizade e a pobreza. Os antigos gostavam desse método que ajuda a memória: um termo vai recordando outro e assim os ensinamentos vão se seguindo. Como se em uma conversa livre, a pessoa dissesse: Por falar nisso... Assim, estávamos falando no pobre e aí Jesus fala do cuidado com os pequeninos (para não escandalizá-los). Por falar em cuidado, Jesus recorda a questão do perdão recíproco e, por falar nisso, Jesus acaba contando a parábola sobre o serviço.

Se a gente pensar no tipo de discípulos e discípulas que, de fato, Jesus teve em sua vida e naquele contexto da viagem a Jerusalém, é difícil imaginar essas comparações: Quem de vocês, tendo um empregado... Como ter empregados aqueles pobres que viviam da pesca no lago e depois passaram a viver como andarilhos junto a um mestre que confessava não ter nem onde encostar a cabeça? Esse tipo de parábola parece mais vinda da realidade das comunidades cristãs dos anos 80 do que diretamente do Jesus histórico. Seja como for, precisamos tomar todo cuidado para não comparar Deus com um patrão que cobra dos empregados um serviço que vai além das próprias regras e direitos dos trabalhadores. É claro que, na época de Jesus, não existiam direitos dos trabalhadores como existem hoje. Em um Brasil no qual a reforma trabalhista e da previdência penalizam os trabalhadores e privilegiam ainda mais os patrões, não podemos comparar Deus a um patrão que exige dos servos trabalho a qualquer hora e ainda chama esse servo de inútil.  Nesse evangelho, o que Jesus faz é contar o que acontece na sociedade dele. Ele não sacraliza esse tipo de relação social. O que ele diz é que, do mesmo modo que, naquele tipo de sociedade, ao agirem do modo que os patrões exigem, os empregados não se sentem fazendo mais do que sua obrigação, assim também os discípulos e discípulas do reino de Deus devem se considerar simples servidores/as e não com direitos diante de Deus. Então, a boa notícia que esse evangelho contém é de outra ordem: é a gratuidade da salvação.

Nós vivemos em uma sociedade na qual tudo parece ter preço. Não somente todo trabalho é pago, como, muitas vezes, até as próprias relações sociais são de obrigação ou de ordem quantitativa. Se um dá uma coisa, o outro se sente obrigado a também dar. Se duas pessoas se relacionam, parece ter sempre um interesse por trás. E o evangelho de Jesus se torna cada vez mais distante. Por isso, em nossa cultura, é difícil compreender que Jesus diga: Não emprestem coisas a quem possa restituir. Não deem coisas só aos seus parentes e amigos. Deem a quem não pode retribuir e assim Deus os recompensa... Esse tipo de conselho ou proposta parece fora de sentido... 

A proposta desse evangelho de hoje é que a nossa relação com Deus deve ser totalmente gratuita. Na mentalidade do Capitalismo dizer que alguém é inútil significa decretar praticamente que a pessoa não merece existir. Não serve para nada. Na visão do evangelho, não é assim. Ser servo inútil significa que a pessoa recebe tudo de Deus. É inútil como uma flor é inútil. É gratuita. E para sublinhar isso, Jesus diz que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. Conta que os operários da última hora ganham tanto quanto os que trabalham o dia inteiro e Deus ama o filho pródigo tanto e até demonstra mais amor por ele do que pelo filho que ficou sempre em casa. 

Nesse domingo, em Roma, o papa Francisco abre o Sínodo extraordinário sobre a Amazônia. Grupos católicos e mesmo padres e bispos não compreendem por que reunir bispos de todo o mundo para tratar da Amazônia, por que propor uma missão baseada na escuta e no diálogo das tradições religiosas dos povos originários e por que colocar a Ecologia integral como missão da Igreja. Esse evangelho de hoje nos responde: descubram na aparente inutilidade (ou falta de razão) para isso que assim se manifesta o amor de Deus que devemos testemunhar.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações