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"A quem iremos nós?"

“A quem iremos nós?”

                   Nesse 21º domingo do Ano B, o evangelho lido nas comunidades mostra como se encerrou o discurso de Jesus no capítulo 6 de João. De fato, Jo 6, 60- 69 parece encerrar o longo discurso sobre o pão da vida e as discussões e tensões que Jesus provocou com seus discípulos e com aqueles que o evangelho chama de ‘judeus’.  

Os outros evangelhos tinham aludido a uma crise de Jesus com seus adversários e com alguns próximos a si, mas é o quarto evangelho que diz com clareza que a divisão foi na própria comunidade dos discípulos. Nas comunidades dos evangelhos sinóticos a crise parece ter sido sobre a missão de Jesus e a decisão dele ir para Jerusalém, sabendo que isso o levaria a ser condenado e a sofrer a cruz. No quarto evangelho, esse motivo aparece quando Jesus diz aos discípulos: Se minhas palavras aqui agora escandalizam vocês e vocês não aceitam, como será quando o Filho do Homem subir aonde estava antes (subir a Jerusalém???), portanto quando eu tiver de enfrentar as autoridades religiosas e quem me segue for visto como herege, como pecador, como dissidente da fé, etc..? Vocês ficarão comigo nisso? 

Ao ler o evangelho e tentar compreender o que está por trás das palavras, tenho a impressão de que toda a discussão começa pela questão da eucaristia. Jesus deixa claro para eles que se eles não aceitam fazer da eucaristia uma partilha do pão e da vida e se não aceitam radicalizar a fé até “comer a carne do Filho do Homem”, isso é, assumir o jeito humano de Jesus e a sua doação até o fim, sem esse passo, a eucaristia perde o sentido e eles não fazem parte da comunidade de Jesus. Não basta estar no grupo para ser de Jesus. 

Essa história do quarto evangelho é a única vez no evangelho em que o texto fala dos Doze. Isso revela uma tensão entre a comunidade de João e outras Igrejas baseadas no ministério dos apóstolos. (A comunidade do quarto evangelho parece que não tinha nenhum apóstolo. O discípulo amado era a própria comunidade). Jesus vê que muitos o abandonam e só os doze permanecem. A comunidade de João quase toda o tinha abandonado. Não aceitava a radicalidade das exigências de Jesus: essas palavras são duras demais... 

Jesus pergunta com profundo respeito: Vocês também querem me deixar? Pedro, que representa os doze, responde: “A quem iremos nós, Senhor. Só tu tens palavras de vida eterna”. De certa forma, ele diz: Querer ir embora até a gente gostaria. Mas, ir para onde? Buscar a quem? Só tu tens palavras de vida eterna. Tu és o Santo de Deus.  

Jesus não aprova nem desaprova a afirmação de Pedro. Responde a ele afirmando: Apesar de que eu escolhi vocês, um de vocês é um divisor (um diabo). E ele se referia ao traidor. 

De certo modo, lendo esse evangelho me vem à mente os conflitos e dissensos internos na Igreja. Percebo que, como no tempo das comunidades do evangelho, muitos irmãos e irmãs têm dificuldade em ligar a fé com a vida, em tirar as consequências do sacramento que celebram e aceitar o confronto com o mundo (Como será quando me virem subir a Jerusalém e enfrentar as autoridades religiosas?). 

 Em minha vida, isso exige um cuidado de coerência muito maior ao celebrar a ceia de Jesus. Não no sentido de imaginar superar minhas fragilidades humanas e minhas contradições, mas no sentido de mesmo em meio a tudo isso, não deixar de procurar ligar fé e opção revolucionária de transformar o mundo. O conflito de Jesus foi com os ministros e com os doze, isso é, com os que representam o ministério da Igreja. 

Fico pensando: Que palavras de Jesus soam para mim hoje como mais duras e mais exigentes? Ou não há e eu transformei o seguimento de Jesus no que o teólogo Bonhoeffer chamava de “baratear a graça”, ou seja, mediocrizar a fé e suas exigências? 

Em minhas dificuldades com um jeito de ser Igreja pouco profética e pouco solidária à humanidade, sinto o mesmo de Pedro: A quem iremos nós? Para onde correr? Confessar Jesus como consagrado e santo pode ser interessante, mas, conforme Jesus reage a Pedro, não evita a traição... O que evita a traição é ir com ele a Jerusalém e a entrega da vida. 

Nessa noite, fico feliz em saber que os companheiros que estavam em greve de fome em Brasília pararam a greve. Depois de 26 dias e já correndo riscos sérios de vida e de saúde. São testemunhas do amor revolucionário que exige transformação das estruturas desse mundo. Deixaram de se alimentar do pão que perece para comer a carne de Jesus no sentido de viver o projeto dele de arriscar a vida pelos irmãos. Deus os abençoe e os fortaleça na continuidade dessa luta. E ajude a nós a continuarmos os jejuns (não de comida material) que temos de fazer para nos mantermos firmes na caminhada por um novo mundo possível. Nela temos Jesus e o seu projeto conosco. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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