Cada vez que a Igreja celebra essa festa de Cristo Rei (último domingo do ano litúrgico), me lembro de que Dom Helder Camara dizia ter muita dificuldade com essa celebração litúrgica e argumentava: Jesus nunca quis ser rei e nem gostaria que lhe déssemos esse título mundano e anti-espiritual. Ao chamar Jesus de rei, no fundo, mesmo relativizando-as, a Igreja legitima as realezas do mundo. E Jesus as criticou e condenou. Outro amigo, Arturo Paoli dizia que, uma vez, Jesus fez um discurso em uma grande planície e era uma planície na qual havia um grande eco. Naquele discurso, Jesus disse: "Não se façam chamar de Senhores, Mestres, Pai. E o eco repetiu: chamar de Senhoressss, Mestreees, Paiii... E os discípulos repetiram o que o eco dizia: Façam se chamar de senhores, mestres e pai...
Jesus prosseguiu: "Vejam, os grandes da terra gostam de sentar-se nos primeiros lugares". O eco repetia: sentar-se nos primeiros lugares.... Jesus insistiu: gostam de dominar os outros. O eco repetia: dominar os outros.
Jesus concluiu: "Vocês não devem fazer assim". O eco repetiu: fazer assimmmm...
O resto da história, a gente conhece. As Igrejas escutaram o eco e obedeceram ao eco que transformou no contrário o que Jesus, de fato, disse. E depois justificaram que os príncipes, governantes e grandes da terra fazem isso em nome próprio. Eles, bispos, padres, pastores, fazem isso em nome de Jesus. Chamaram Pedro de "príncipe dos apóstolos" e o papa de "vigário de Cristo na terra".
O evangelho lido nesse domingo nas Igrejas é a parábola que Jesus contou sobre como será o julgamento final (Mateus 25, 31 ss). É a última palavra pública de Jesus no evangelho de Mateus. Encerra o quinto grande discurso desse evangelho. E faz uma espécie de polaridade com as palavras que iniciavam o primeiro discurso: as bem-aventuranças. Ali Jesus dizia que as pessoas pobres, aflitas, promotoras da paz e as perseguidas por causa da justiça são as bem-aventuradas, as abençoadas de Deus. Agora nessa parábola do julgamento, ele diz que o Filho do Homem se reconhece em cada uma delas e que é nossa relação com esses/essas oprimidos/as que garante se somos discípulos/as de Jesus ou não. Claro que a linguagem é apocalíptica e fala em reino e em fogo eterno para os condenados. Alguns exegetas chamam a atenção que o termo hebraico e grego usado ali vai mais na direção de fracasso do que de castigo. Deus não castiga ninguém. Se não formos capazes do amor solidário aos sofredores, nós é que mutilamos nossa humanidade - o verbo grego diz isso: mutilar e fracassamos em nosso projeto de vida...
A pergunta fundamental é se as Igrejas são capazes de animar e ajudar a humanidade a viver esse caminho de transformação radical de perspectiva da sociedade. Uma vez, escutei um pastor evangélico comentar essa parábola do juizo final dizendo que ela servia para "os que não conheceram Jesus". Serão salvos pelo que fizeram ao pobre.. Mas, os discípulos de Jesus são salvos pela fé nele, por serem batizados, etc... Penso que esse "engano de interpretação" já vem da Igreja primitiva no tempo dos evangelhos. O que Jesus diz aos discípulos que não acolheram os pobres foi "Não vos conheço"... Não vamos nós também ouvir o eco que corta as palavras no meio...