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A respeito da festa de hoje

Queridos irmãos e irmãs,

Esta festa de São Pedro me recorda que há 20 anos, eu estava na noite de São Pedro, hospedado com minha querida Mãe Stella de Oxóssi e minha amiga Cleo Martins, no Opô Afonjá no bairro de São Gonçalo em Salvador. E naquela festa de Xangô, uma senhora tomada por Iansã me escolheu como Ogã e homens da comunidade me levaram nos ombros até a Yalorixá (Mãe Stella de Oxossi) que me suspendeu como Ogã de Iansã, mesmo se o meu Orixá é Ayrá. 

Eu nunca imaginei isso e tinha antes de tudo aprofundar o que significava para mim aceitar aquela consagração. - Ali eu estava para fazer o caminho contrário do Cristianismo colonizador que se apossa do outro e se impõe. Eu queria aprofundar o caminho de uma espiritualidade cristã a partir das tradições negras e da religião dos Orixás. Eu tinha me encontrado com o padre François de l’Espinay no começo da década de 1980 em Salvador. E como padre, ele tinha se inserido no Candomblé do Alaketu e era Obá de Xangô. Era amigo da Mãe Olga de Alaketu que o acolheu no Candomblé, assim como acolhia o meu amigo Dom Timóteo Anastácio, abade do Mosteiro de São Bento da Bahia. Ambos, de modo diverso e em níveis também diversos, faziam com o Candomblé o mesmo caminho que alguns monges beneditinos europeus como Henri de Saux, Dom Bede Griffis e outros ao se tornaram Sanyasins hindus na Índia, tinham vivido com o Hinduísmo desde os anos 1950 ou 1960 até  a sua morte. Mas, será que eu poderia me comparar com um desses santos monges místicos? Tinha conhecido o grande teólogo e espiritual Raimon Panikkar, filho de pai hindu e mãe espanhol e que como padre se veste de monge hinduísta e mora na Índia. Ele diz: “No meu caminho de vida, comecei como cristão, me tornei hinduísta e me descobri que assim me tornei mais cristão ainda”. Seria possível viver isso com o Candomblé? 

- Além das dificuldades de  morar no interior de Goiás e coordenar uma comunidade beneditina que precisava de minha presença lá em Goiás, eu sabia que sobre minha inserção no Candomblé havia algumas discordâncias entre irmãos na minha comunidade e também o assunto não era unânime na própria comunidade de Mãe Stella. Tinha, então, de caminhar devagar para poder avançar mais. 

De lá para cá, Deus e a vida me conduziram por um caminho que me trouxe mais a uma vida eremítica tanto em relação à vocação de monge beneditino cristão, como em relação à inserção no Candomblé. No entanto, eu me sinto consagrado e banhado pelas águas que vêm dos dois rios diferentes e desaguam no mesmo rio da minha vida. 

Nestes dias, sofro com o racismo religioso e a perseguição que se acentua a cada dia contra os templos e comunidades de religiões negras. Nestes dias, a polícia de Goiás usou como pretexto a perseguição ao fugitivo Lázaro Barbosa e invadiu e profanou diversas casas de Candomblé e Umbanda na região do DF e Goiás. Ontem, mataram o Lázaro, como queima de arquivos e assim ele não denunciará os milicianos e fazendeiros que o contratavam para matar. E tudo continuará igual. Outros Lázaros surgirão para a polícia matar. E novas oportunidades surgirão para desrespeitarem casas religiosas de tradição afro. A menos que pastores e fiéis das Igrejas cristãs condenem tal modo de agir como sendo iníquo e contrário ao evangelho de Jesus que sempre defendeu acima de tudo a vida, protegeu os pequeninos e, acolhendo a todas as pessoas, se abriu a outras religiões e culturas.  Viva São Pedro. Viva Xangô Agodô. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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