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A santidade é coletiva e política

Hoje, a santidade é coletiva e também política

                 As Igrejas históricas (Católica e algumas evangélicas) celebram hoje a festa de todos os santos e santas. É a festa na qual agradecemos a Deus por pertencer a essa comunidade dos santos e santas e escutar de novo o chamado divino para a santidade que hoje toma forma diferente de outros tempos. No Credo, a Igreja sempre proclamou “Creio na comunhão dos santos e das santas”. Sempre compreendeu que estes santos e santas são as pessoas santificadas pela graça divina que nos é dada pelo batismo, mas também a comunhão dos bens espirituais. Assim como o vírus contagia, a fé, o amor solidário e a esperança em um mundo novo também se propaga por atração e encantamento com o projeto divino no mundo. 

Nas celebrações de hoje, ao escutarmos a primeira leitura, tirada do livro do Apocalipse (Ap 7), escutamos um mensageiro divino mandar que as energias que fazem mal a terra se detenham. Tomara que haja um anjo qualquer que detenha a atuação assassina do coronavírus no mundo, mas detenha também os vírus do indiferentismo egoísta e da política de morte que nos domina hoje. O Apocalipse diz que ainda há uma multidão de pessoas que passaram pela grande tribulação e não se venderam. Não aceitaram ter nas mãos ou na fronte a marca do império.  O Apocalipse diz que ainda há uma multidão de pessoas que não aceitam isso e por isso passam por perseguições e sofrimentos (o Apocalipse diz: lavam suas vestes no sangue do Cordeiro). 

Nem todo mundo se vende. Há muita gente que não se deixa comprar. Estes são os santos e santas vivos e resistentes; lutadores/as sociais que, no mundo inteiro, se unem para transformar este mundo. 

A festa de Todos os Santos é ação de graças pela Páscoa de Jesus que manifesta a força de sua ressurreição nesta comunhão dos santos e santas do céu com todas as pessoas da terra, de cuja energia, nós todos/as recebemos graças e bênçãos.

Nessa festa, as comunidades leem o evangelho das bem-aventuranças (Mateus 5, 1 – 12). Bem-aventuranças é um termo que aparece de vez em quando nos salmos e nos livros proféticos do primeiro testamento. Mateus inicia o discurso da montanha, pondo na boca de Jesus oito bem-aventuranças. Algumas traduções simplesmente traduzem bem-aventurados por Felizes – as pessoas pobres de coração, as pessoas humildes, as que choram e assim por diante. O padre André Chouraqui, judeu cristão que traduz muito literalmente o termo original, prefere a expressão: “Para frente”.  De fato, o termo bem-aventuranças é muito rico. Qualquer que seja a tradução contém um aspecto, mas não consegue expressar toda a riqueza que o termo evangélico contém. Diferentemente de abençoado e também de feliz, bem-aventurado/a significaria a pessoa que recebe de Deus o reconhecimento de sua honra e do sentido para a sua vida. As comunidades do evangelho ainda viviam em um mundo no qual as infelicidades da vida eram atribuídas ao fato de que Deus teria esquecido essas pessoas ou até, por alguma razão, as condenado à pobreza e à infelicidade. O mundo as considerava malvistas e mal faladas. 

Jesus subverte esse pensamento e deixa claro: Ao contrário, são justamente essas pessoas que o Pai considera bem-aventuradas: as que assumem a pobreza como opção de vida, as que são pequenas, são humildes, trabalham pela paz, etc... Esse é o critério de santidade de Jesus: é uma santidade social e política e não apenas uma forma de virtude interior e íntima. O que o evangelho de hoje nos diz é que Deus dá dignidade, força e sua bênção aos educadores e educadoras que não aceitam o desmonte da educação promovido pelo atual governo de criminosos, psicopatas e gente que prega que a terra é plana e que o próprio ato de pensar é perigoso. 

Em um Brasil assim, Deus nos confirma que são bem-aventuradas as pessoas que ousam se assumir como de esquerda e se consagram a ensaiar uma nova forma de organizar o mundo e a vida. 

A santidade que Deus quer tem um jeito diferente da imagem habitual do santo e santa. Ao ler esse evangelho, penso em cada um, cada uma de vocês que lê essas linhas e se reconhece na caminhada por um novo mundo possível. Por isso, peço que vocês aceitem: a palavra de Deus confirma: hoje, vocês são os bem-aventurados e bem-aventuradas de Deus. No meio de todos os nossos problemas, fragilidades e mesmo contradições, vamos testemunhando o reino divino no mundo, ou seja, a realização do projeto de justiça e paz. Vocês fazem isso por terem sido marcados/marcadas com o selo do nosso Deus. Como diz a carta aos hebreus: Assim como Abraão, “esperando contra toda a esperança”, vamos em frente obedecendo à palavra que nos mandou partir. É bom que a festa de hoje nos fale de uma multidão de santos e santas. Nosso profeta Dom Helder Camara dizia que somos minorias abrâmicas, porque como fez com Abraão, Deus nos torna capazes de gerar um mundo novo. 

Outro profeta muito querido que há poucos meses nos deixou, nos deixa em herança a sua versão do evangelho

As Bem-aventuranças

                                                                                                                                      Pedro Casaldáliga

  Felizes são os/as pobres em espírito

E aqueles/as que compartem com os pobres

os riscos e a esperança,

porque eles/elas têm o Reino em suas vidas. 

 

Contrariamente a toda propaganda

de produtos que dão felicidade, 

felizes os aflitos, 

porque eles/elas sentirão em suas cruzes

a ternura de Deus que é Pai e Mãe!

 

Felizes os/as que sabem vencer-se 

na conquista da mansidão diária:

a Terra será deles/as!

Felizes as pessoas que são justas

e buscam a justiça e a defendem e a forjam

e sentem fome e sede da justiça do Reino:

o Reino saciará sua utopia!

 

Felizes os/as que têm misericórdia 

e não deixam passar um sofrimento

sem achegar-se de quem sofre

e nele/a derramar-se, no óleo e no vinho:

eles/as encontrarão misericórdia. 

 

Felizes os/as que trazem um coração sincero

e limpo o seu olhar: mesmo na noite escura

eles e elas verão a Deus.


Felizes do Deus da paz, irmãos e irmãs 

dAquele que é a nossa Paz, 

felizes os/as que lutam em paz e pela Paz, 

os/as construtores/as da estranha Paz do Reino:

deles e delas é o Shalom, o Axé, a Paz!

 

Felizes sois todos os perseguidos e perseguidas

por causa da justiça:

nas lutas pela terra do campo e da cidade,

nas lutas do trabalho, nas lutas pela vida. 

Felizes vós, profetas e profetizas, malditos do sistema,

pichados pela ordem,

jogados no escanteio do Templo e do pretório:

felizes, alegrai-vos, o Reino já é vosso!

 

Felizes são os Pobres,

os meus e minhas pobres,

os herdeiros e herdeiras do Reino!

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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