XXII Domingo comum C: Lc 14, 1 e 7- 14.
Marrcelo Barros
Na sociedade atual, sempre mais competitiva e até
agressiva, é considerado normal que a pessoa se imponha e faça tudo para se
sair sempre melhor do que as outras. Já na escola, as crianças se distinguem
pelas notas. Mais tarde, virão concursos e a corrida pelo sucesso, seja nas
relações, seja nos negócios. Infelizmente, esse sistema de valores atua não
somente nas empresas capitalistas, mas mesmo em organizações que se declaram
como críticas e transformadoras. Existe nas Igrejas e até mesmo nos movimentos
populares e pastorais sociais. Nestes ambientes, todos dizem querer um outro
mundo possível, mas até lá... as regras e convenções são essas.
Neste XXII domingo comum do ano C, o evangelho lido
nas comunidades (Lc 14, 1 e 7- 14) nos chama para mudarmos o nosso modo de ser
e de agir em relação a isso. No capítulo 14, Lucas mostra que, no caminho para Jerusalém,
ou seja para a Páscoa, Jesus aceita o convite de um fariseu amigo para
participar da refeição do sábado em sua casa. Nos outros evangelhos, os
fariseus, mestres da lei, são sempre apresentados como adversários de Jesus.
Lucas junta três momentos ou palavras de Jesus durante esta refeição. São falas
em relação ao sentido do sábado, ou seja da religião.
Nos evangelhos, muitas vezes, Jesus aparece envolvido
em banquetes, não porque fosse “comilão e gostasse de beber” (cf. Mt 11,19),
mas porque a refeição ou ainda mais o banquete, ao ser sinal de comunhão, de
encontro, de familiaridade, anuncia a realidade do reino de Deus.
No trecho que, hoje, escutamos, naquela refeição de
sábado, na casa do fariseu amigo, Jesus observa como as pessoas convidadas fazem
questão dos primeiros lugares. Sobre isso, ele diz: “quando fores convidado a
uma festa de casamento, escolhe o último lugar da mesa, para que quem te
convidou, te chame mais para cima”.
Para nós, esse conselho pode parecer apenas
estratégico: assuma o último lugar como meio de ser chamado para mais alto. Se
fosse assim, seria até meio hipócrita ou oportunista. O que nos faz compreender
o sentido da parábola é o seu final: “No projeto divino, quem se engrandece
será rebaixado e quem se coloca como pequeno será engrandecido – se subtende:
por Deus”.
Parece que Jesus retoma aqui o mesmo pensamento do
cântico de Maria: “Deus tira os poderosos dos seus tronos e eleva os pequenos”.
Por isso, ele diz ao fariseu que o convidou a palavra mais radical: “Quando
deres um almoço ou jantar, não convides os amigos e parentes. (...) Chama os
pobres, estropiados e cegos...” O reino de Deus faz essa reviravolta e para
dele participar, essa é a lógica.
Na tradição das Igrejas, os padres e pastores costumam
interpretar a palavra de Jesus como apelo à humildade. E falam da humildade
como virtude pessoal e moral que não muda nada nas relações sociais. No
entanto, o que Jesus quis denunciar e
transformar foi justamente a estratificação social e não a atitude moral
interior de cada um. Humildade é uma palavra que no latim vem de húmus, terra.
Na realidade, ser humilde significa assumir o seu chão. Como dizia Pedro
Casaldáliga: “ser o que se é”. É mais do que a simples modéstia social e nada
tem a ver com humilhação. Deus não quer ninguém humilhado. A boa notícia do
reino é justamente para que, nunca, ninguém seja humilhado. Menos ainda em nome
de Deus.
Em nossos dias, a humildade proposta por Jesus
significa assumir as causas dos pequenos e humilhados do mundo e com eles se inserir
na luta justa e pacífica por sua libertação. Ontem, 27 de agosto, no Brasil,
fazemos memória da Páscoa de três pastores que nos deram exemplo dessa postura
pedida por Jesus: Dom Helder Camara (1999), Dom Luciano Mendes de Almeida
(2006) e Dom José Maria Pires (2017). Cada um do seu jeito, viveu o caminho
oposto a quem almeja o primeiro lugar. Como para vários outros pastores e
tantos irmãos e irmãs no continente latino-americano, a inserção no meio dos
pobres implicou se empobrecerem e terem assumido o último lugar, terem
arriscado suas posições sociais no mundo e também na Igreja. Todos foram
pessoas que aceitaram ser mal vistas pelos poderosos que antes os procuravam.
A comunidade do reinado divino deve ser espaço de
irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui
qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os
outros. Quem quiser entrar nela, tem de entrar em outra lógica: a do se tornar
servidor/a e irmão/ã. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus
discípulos ele mesmo viveu até a cruz.
Na segunda parte deste evangelho, Jesus propõe ao seu
anfitrião convidar os pobres, aleijados e pessoas que eram excluídas das
refeições dos religiosos. Além de tomar o último lugar, a inserção junto às
comunidades e pessoas mais empobrecidas
está ligada à gratuidade com a qual se abre aos últimos. Gratuidade pelo fato
de não pedir reciprocidade. Ser mesmo sinal e instrumento de outro modelo de
sociedade. Aí se vê que Jesus não está falando apenas da refeição na casa do
fariseu e sim de como deve ser a comunidade que se coloca como antecipação do
reinado divino no mundo.
Na religião do
templo e das sinagogas da época de Jesus, os cegos, coxos e aleijados eram
considerados como pecadores, amaldiçoados por Deus. Por isso, estavam proibidos
de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv
21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”.
Jesus diz: “é preciso convidá-los, é preciso acolhê-los”.
É preciso sempre lembrar que toda a conversa de Jesus
versa sobre o sábado, portanto, o culto, a comunidade religiosa. Na época de
Jesus, as pessoas excluídas eram as cegas, aleijadas e doentes. Hoje, há outras
categorias consideradas pecadoras e, por isso, excluídas das comunidades e da
ceia celebrada em nome de Jesus. A todas as comunidades, Jesus diz, hoje: é
preciso convidar, é preciso acolher. O papa Francisco tem proposto que a Igreja
Católica se abra à população LGBTQI +, abra sua porta e seu coração aos
migrantes e a pessoas e comunidades de outras religiões.
Jesus deixa claro que todas as pessoas, sem exceção –
são convidadas à mesa do reino, inclusive aquelas que a cultura social e
religiosa tantas vezes exclui e marginaliza. Na ceia do reinado divino, não
pode haver qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição. Todos e
todas devem viver a mesma postura de humildade no sentido da veracidade e
sobriedade de vida, de serviço na comunhão e solidariedade às pessoas
consideradas últimas da sociedade.