(O evangelho de João 21 à luz da nossa realidade atual)
Quem olha a
realidade a partir da fé não pode deixar de pensar que estamos em tempos nos
quais o poder do mal parece tomar conta de tudo. Por mais que protestemos e
tentemos reagir, não há como negar que temos contra nós um sistema de poder
opressivo e arrogante. Em busca de segurança, mesmo parte do povo pobre entra na
onda provocada pela direita raivosa. Até nas Igrejas, que deveriam ser, neste
mundo, testemunhas fieis do reino de Deus, não poucos ministros e fieis se
agarram ao poder mundano e à publicidade enganosa.
A partir dessa
realidade, podemos ler e meditar o capítulo 21 de João. Provavelmente se trata
de um acréscimo posterior feito ao conjunto do texto evangélico. Em todos os
outros capítulos, o quarto evangelho revela uma comunidade na qual, em geral, todos/as
da comunidade são discípulos e discípulas e não aparece nenhuma hierarquia ou
ministérios particulares. Na segunda parte do evangelho, a comunidade é
representada na figura do que o texto chama “o
discípulo amado”.
Na mesma época
em que este evangelho foi escrito, as comunidades ligadas aos evangelhos
sinóticos e a Paulo já tinham apóstolos e a organização dos ministérios era
mais específica. Provavelmente, o capítulo 21 de João foi acrescentado mais
tarde, em uma época, na qual a Comunidade do Discípulo Amado teve de enfrentar
a questão dos ministérios na comunidade.
Este capítulo
tem como protagonista a Pedro, figura chave e simbólica desse modelo de Igreja
centrado nos ministérios de coordenação, diferente do primeiro modelo da
comunidade no qual os ministérios não eram distintos do discipulado comum. É
verdade que a comunidade do quarto evangelho diz claramente que Pedro conduz os
discípulos a uma pesca que não dá resultado, diz claramente que, quando
reconhece Jesus na beira do lado, Pedro reconhece estar nu, põe a túnica e se
joga n’água.
Em todo o
capítulo, a figura de Pedro parece contraditória e até de certa forma
criticada. Esse relato da pesca fracassada durante a noite revela que toda vez
que um ministro toma iniciativa na missão, como se tivesse autoridade própria,
sem se dar conta de que depende totalmente de Jesus, não somente a missão fracassa, como a pessoa
se revela nu, isso é, impotente. O próprio Jesus tinha dito na ceia: “Sem mim, nada podereis fazer”.
Quantas vezes,
a Igreja, a nossa Igreja, parece querer caminhar independentemente. Organiza uma
autoridade baseada na assistência de Jesus que ele teria prometido. No entanto,
em alguns momentos da história, parece que Jesus perde o controle desse caminho
eclesial. De certa forma, já podemos ver essa queixa de Jesus no episódio do
lava-pés, quando o evangelho evita contar a instituição da ceia e prefere
insistir no seu significado: o lava-pés. E aí Jesus diz a Pedro: “Se não aceitas que te lave os pés, não terás
parte comigo”. Agora, de novo, depois da pesca que finalmente pescou tantos
peixes, Jesus ceia com os discípulos, mas o evangelho nos deixa com essas
palavras misteriosas: “Ninguém perguntava
quem era porque todos sabiam que era o Senhor”.
Ninguém
é dono de Jesus. Ninguém pode ter certeza de saber quem e como ele se
apresenta. Sua presença permanece oferecida a nós, mas ao mesmo tempo, devemos
estar abertos a uma busca que é permanente e nunca totalmente satisfeita.
A segunda parte
do relato desse evangelho nos conta que depois de cear, Jesus pergunta a Pedro:
tu me amas? Pedro responde: Eu gosto de você. E Jesus parece perguntar: Gosta
mesmo? E Pedro, envergonhado de o ter negado durante a paixão e de não poder
dizer que o ama, responde: você sabe tudo. Sabe que eu gosto de você. Gostar é diferente do verbo amar que Jesus usou quando
perguntou pela primeira vez. Seja como for, a cada vez que Pedro confessa que gosta
dele, Jesus confirma: então tome conta de
meus cordeiros, cuide de minhas ovelhas. Na Igreja, o ministério só tem
razão a partir dessa relação com Jesus.
É a única vez
no quarto evangelho que Jesus diz a Pedro: Segue-me.
Isso significa que não se pode ser quem coordena, sem primeiro ser
discípulo. E o texto parece dizer que, antes, Pedro não parecia tão preocupado
com isso. O que isso diz para nós, hoje???
Cada um/uma de
vocês é o/a discípulo/a amado/a, chamado à intimidade com o Ressuscitado no
meio das lutas do povo, como aquela pesca à noite era a luta da sobrevivência
para aqueles homens pobres. E nessa intimidade, somos convidados hoje a seguir
Jesus no seu projeto de transformar o mundo no reino de Deus e nesse seguimento
(Segue-me, disse Jesus a Pedro).
Ouçamos o que
Jesus diz sobre cada um de nós: eu quero que ele, ela (cada um de nós) permaneça até que eu venha. Vamos sim
permanecer nele. O seguimento no projeto e o permanecer na intimidade do seu
amor será a alegria e a força de nossas lutas e de toda a nossa vida.