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A Trindade tem de ser encontrada não no céu e sim no mundo

Santíssima Trindade – Jo 3, 16-18

A Trindade não está no céu. É preciso descobri-la no mundo.

                Neste domingo, a Igreja Católica e algumas das Igrejas históricas celebram a festa da Santíssima Trindade. No século IX, esta festa foi criada para reafirmar a fé cristã diante de grupos que negavam a doutrina da Igreja sobre Deus uno e trino. De fato, a crença em Deus como Trindade remonta aos primeiros concílios e responde a questões que dividiam as Igrejas locais nos séculos quarto e quinto. O modo como os antigos pais da Igreja explicaram a fé alimenta até hoje a espiritualidade cristã. Comumente, as comunidades católicas costumam iniciar as orações e cultos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. 

Atualmente, ao falar de Deus, precisamos sempre ter o cuidado de não parecer que queremos explicar Deus. Nenhum termo ou expressão consegue descrever Deus. No mesmo século em que surgiu a festa da Trindade, o espiritual alemão Mestre Eckart afirmava:

 “Tudo o que você pensa e diz sobre Deus, revela mais sobre você do que sobre Deus. Qualquer tentativa de descrever ou definir Deus é blasfêmia. Quem é Deus, nem todos os mestres de Paris conseguem dizer. Se eu tivesse um Deus que pudesse ser compreendido por mim, nunca o reconheceria como Deus. Por isso, cale-se e não especule sobre ele. Não lhe ponha roupas de atributos e propriedades. Aceite-o “sem ser propriedade sua. Respeite-o como ser superior a tudo e, ao mesmo tempo, como um Não Ser superior a tudo”.

 Essa palavra nos adverte contra qualquer tendência de querer explicar Deus. 

No Brasil, as pessoas mais velhas ainda recordam com saudade do 6º Encontro intereclesial das Cebs em Trindade (GO) em julho de 1986. Ali, as comunidades definiram: "A Santíssima Trindade é a melhor comunidade". Ao insistir que Deus é Comunhão, as Cebs propõem que, nas Igrejas, nas relações entre ministros/as e na relação dos padres com o povo, se pratique o mesmo modelo de relações que a Igreja ensina existir entre as pessoas da Santíssima Trindade: perfeita igualdade e, ao mesmo tempo, distinção de funções. 

 

Neste ano A, o texto do evangelho proclamado nas Igrejas é João 3, 16- 18. “Deus amou tanto o mundo que lhe entregou o seu Filho único”. Essa palavra que o quarto evangelho coloca na boca de Jesus completa o diálogo entre Jesus e Nicodemos, o mestre da lei. Era um diálogo sobre Deus e sobre a necessidade de nascer de novo para se viver em Deus.  No tempo dos evangelhos, afirmar que Deus entregou o seu Filho ao mundo era usar uma linguagem sacrificial comum. Em um mundo no qual os pobres pagavam tributos aos senhores, Deus era concebido por um senhor que deveria ser agradado com tributos que no caso eram os sacrifícios. 

Ao contrário disso, cremos que Deus é Amor e nos salva gratuitamente. Então, não podemos continuar dizendo que Deus é um pai que entregou o seu próprio filho à morte para, através do sacrifício de Jesus, se reconciliar com a humanidade. Precisamos encontrar uma linguagem não sacrificial para expressar o amor do Pai que se comunica a nós através de Jesus e a disposição do Filho de enfrentar a violência do mundo entregando-se a si mesmo. É como se ele decidisse: “Se alguém tem de morrer, que seja eu”.  

 

No Evangelho, Jesus transforma a visão de Deus que quase todas as religiões tinham e muitos grupos ainda têm. Tudo o que falamos de Deus é sempre parábola. No entanto, Jesus nos revelou que existem parábolas respeitadoras ou fieis ao que Deus nos revela de si mesmo e outras consideradas inadequadas e impróprias. Essa distinção, a Bíblia faz quando nos fala dos ídolos. O ídolo é a imagem errada ou inadequada de Deus. 

 No mundo atual, capitalistas colocam em sedes de banco e até em cédulas de dólar a palavra: Nós confiamos em Deus. Sabemos que um Deus que legitima a ambição e abençoa o egoísmo não pode ser o Deus de Jesus Cristo. Jesus nos revelou Deus como paizinho que nos ama com amor de mãe. 

Cremos que, através de Jesus, seu Filho amado, o Pai nos dá o seu Espírito, presente e atuante em todo o universo e nas mais diversas tradições culturais e religiosas. É preciso que sejamos profetas dessa humanização de Deus. Não permitamos que imperadores do mundo ou políticos oportunistas usem o nome de Deus para legitimar o desamor e a violência. 

 

  A celebração de hoje nos convida, não a definir Deus, não a repetir dogmas, e sim a nos sentir chamados a viver em Deus, como Deus é: comunhão. De fato, em algumas dioceses, neste domingo, se celebra “o dia das comunidades eclesiais de base”. Vivemos a comunhão com o mistério divino (da Trindade) à medida que tornamos a Igreja uma rede de comunidades locais, reunidas de forma igualitária, no nome de Jesus, como ensaio do projeto do Pai e profecia do Espirito Santo. 

  Em Salvador da Bahia, um trabalho de amor e solidariedade com as pessoas mais pobres que vivem literalmente nas ruas os reúne em uma Igreja antiga do velho centro da cidade. Antes, essa Igreja, dedicada à Santíssima Trindade, estava abandonada. Atualmente serve de abrigo para a “comunidade da Terna Trindade”, animada por irmãos e irmãs consagrados, que fazem comunidade com sofredores/as de rua e  voluntários para testemunhar que Deus os ama e se revela em todo amor humano. 

O Espírito Santo nos anima a reconhecê-lo em todo projeto de defesa da Vida e a viver a comunhão divina em todo ato e caminho de amor. “Deus é Amor. Quem vive o amor vive em Deus e Deus vive nele ou nela” (1 Jo 4, 16).  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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