A Venezuela e nós
Nesses dias, em Caracas, se concluiu a Assembleia Continental dos Povos que, durante 3 dias, discutiu e aprofundou a responsabilidade dos nossos povos com o destino da Venezuela. Eu tinha sido convidado para esse encontro e por conta de meus problemas de saúde (véspera de cirurgia no quadril) não pude ir. Sofri em tomar essa decisão, mas não havia muita alternativa, até por causa do bloqueio que as empresas ligadas ao Império fazem e por isso os voos daqui para Caracas não são diretos nem são fáceis.
A Assembleia Continental dos Povos foi concluída no domingo 24 e com uma festa e a participação do presidente constitucional do país Nicolas Maduro. Vi um vídeo do evento e da festa e foi tudo muito bonito. Participaram da assembleia 440 pessoas de 87 países do mundo (é muita coisa nesse momento). Havia mais de cem organizações populares registradas. Dessas a Brigada Internacional Che Guevara que levou a Caracas 70 rapazes e moças (entre 18 e 30 anos) e vindos de 40 países.
Ali as pessoas recordaram a história. O fato de que até os anos 90, as empresas de petróleo norte-americana exploravam o petróleo da Venezuela, o maior produtor de petróleo do mundo – à frente da Arábia Saudita e de todos os países do Golfo Pérsico. Desse petróleo explorado, cabia à Venezuela 15%. Assim que o comandante Hugo Chávez ganhou as eleições e ocupou o governo, uma de suas primeiras medidas foi mudar isso. Nacionalizou o petróleo e com isso em três anos, construiu mais de um milhão de casas para pessoas sem casa, levou a saúde gratuita a todos os rincões do país e criou milhares de comedores populares. A ONU reconheceu que Venezuela era o país da América do Sul que mais diminuiu as desigualdades sociais e a FAO declarou que a Venezuela tinha conseguido eliminar totalmente a fome. A UNESCO declarou a Venezuela livre de analfabetismo e assim por diante... Mas, ao iniciar esse caminho, Chávez sabia o que o esperava. Em questão de um mês, ele tinha se transformado em ditador (mesmo se todos os observadores internacionais reconhecem o valor das eleições e ele se submeteu a 17 enquanto governou. Delas ganhou 15 e respeitou totalmente o resultado das duas que perdeu). Desde o começo do seu governo, viu o país entrar em uma guerra terrível. E ali o império não mais invadiu como fez com o Afeganistão ou o Iraque. Derramou muito dinheiro e mobilizou a elite do país contra o governo, organizou os comerciantes para boicotarem os produtos e criar uma situação de carência. E pagou a uma oposição sem escrúpulos para fazer qualquer coisa possível para dizer que o país está na miséria e todos devem fugir de lá. Atualmente, o governo brasileiro acusa o governo da Venezuela de ser uma ditadura. É muito estranho que na democracia de Bolsonaro, o chefe da oposição está preso injustamente, sem direito real de defesa, isolado e condenado a perder seus direitos políticos. Já na ditadura da Venezuela, o chefe da oposição se proclama Presidente da Venezuela, conclama os Estados Unidos a invadir o país e ainda é até agora o presidente da Assembleia Legislativa, andando para onde quer (essa semana está em Brasília para falar com Bolsonaro) e com toda a imprensa do lado dele e lhe dando voz e vez. É muito estranho esse critério de julgamento.
Pessoalmente, fui a Venezuela diversas vezes. Junto com Dom Tomás Balduíno e o meu professor o padre José Comblin, fomos observadores internacionais nas eleições presidenciais de 2007. Assinamos um documento oficial reconhecendo que viajamos pelo país por uma semana, no domingo das eleições, percorremos muitas sessões de votação, constatamos a lisura e transparência do sistema eleitoral e elogiamos a democracia existente no país no qual, segundo a Constituição Bolivariana, o Poder eleitoral é o quarto poder com o mesmo peso que os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Espero que o governo legítimo e o povo da Venezuela resistam e vençam essa guerra psicológica, moral, de bloqueio econômico e de notícias falsas que o mundo inteiro assiste diariamente contra o país. O que está em jogo não é apenas Maduro ou uma questão de governo. É um caminho social e político proposto por Simon Bolívar no começo do século XIX, renovado por Hugo Chávez no final do século XX e que parte das comunidades (na Venezuela há milhares de comunas organizadas) e movimentos sociais, entre os quais as minorias indígenas e negras que estão articuladas e com direito a voto no Congresso.
O que está em jogo é o Bolivarianismo que propõe:
1º - libertar o país de todo tipo de colonialismo e da dependência dos impérios.
2º - integrar o continente inteiro, respeitando a autonomia e independência de cada país, mas formando uma confederação. Uma só pátria – a Pátria grande, Nuestra América.
3º - caminhar para um novo tipo de Socialismo – a partir da Democracia participativa (não só parlamentar) e do Bem Viver indígena.
É isso que justamente o governo dos Estados Unidos, o Banco Mundial e alguns governos europeus consideram ditadura e querem destruir custe o que custar. Por isso, a sorte da Venezuela é fundamental para todos os latino-americanos conscientes. O império já conseguiu destruir o que havia nesse caminho bolivariano ou mais popular no Equador dos tempos de Rafael Correa e no Paraguai de Fernando Lugo.
Na Argentina e no Brasil, nem precisaram vir aqui mobilizar a elite. A própria elite se prestou para isso. Bastou incendiar a população com notícias falsas e espalhar ao máximo o ódio à esquerda (não é só antipetismo). Já conseguiram que os governos (da Argentina, Brasil e outros países como Chile e Colômbia, passassem à condição de súditos do Império por iniciativa e gosto deles mesmos. Mas nós, sobreviventes de muitos ataques, não desistimos da esperança e de nossa opção pela justiça e pela libertação.