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A vida como amor e projeto de comunhão

XVIII Domingo comum C:  Lc 12, 13- 21.

Marcelo Barros

Em nossos dias, a realidade política agrava a polaridade entre os grupos cristãos que se inserem no projeto de uma humanidade solidária e outros que vivem a fé como se a espiritualidade não tivesse nada a ver com a justiça eco-social e a Paz. Além disso, no Brasil, aquele que ocupa o posto de presidente instrumentaliza a religião para o seu projeto de poder.

Isso faz com que o texto do evangelho de Lucas lido nesse XVIII Domingo comum do ano (Lc 12, 13- 21) possa ser mal interpretado por não poucos padres e pastores. É preciso evitar a leitura fundamentalista do texto. A resposta de Jesus ao rapaz que lhe pede para dizer ao irmão que reparta com ele a herança deixada pelo pai não pode ser mal compreendida. Quando Jesus pergunta ao rapaz "Quem me fez juiz entre vocês para discutir essas questões de herança?", não significa que a justiça social e a questão dos direitos das pessoas não interesse a Jesus.

Lucas coloca Jesus dando o seu ensinamento a partir da provocação de alguém do meio do povo. Já vimos isso em 10, 25 e 11, 45. Agora, alguém pede que Jesus sirva de juiz em uma questão de herança entre dois irmãos. No mundo de Jesus, era costume os rabinos religiosos resolverem questões como essa. Mas, Jesus se nega a fazer isso e vai à raiz do problema.

Jesus se negou a tratar de uma questão de justiça no plano interpessoal para mostrar a injustiça estrutural do sistema do país. O que ele mostrou é que a justiça entre os dois irmãos não se resolverá, se não houver justiça no comércio internacional e no plano dos países e do mundo. Quando o mundo é organizado a partir da ambição desenfreada e do egoísmo considerado como direito à propriedade particular, não há possibilidade de justiça. Jesus se nega a entrar na defesa da propriedade particular vivida como direito.

Quem é mais velho se recorda de que já na década de 1960, Dom Helder Camara insistia que o mundo nunca poderá ter paz enquanto não se resolver o problema da desigualdade econômica. Em nossos dias, essa desigualdade se agravou duas ou três vezes mais do que na época de Dom Helder. Desde 2019, o papa Francisco vem promovendo junto a jovens economistas a ideia de repensar a Economia a partir de outros pressupostos que não sejam os da ambição e do lucro a qualquer custo. Atualmente, em todo o mundo, jovens economistas formam comissões e experiências do que aqui no Brasil chamamos de “Economia de Francisco e Clara”, tomando como referências a opção de solidariedade  e comunhão que moveram Francisco de Assis e Clara a viverem e proporem comunidades de partilha.

 

No evangelho de hoje, Jesus deixa claro que o raciocínio da propriedade privada leva necessariamente à ambição e ao egoísmo. Ele conta uma parábola baseada em histórias que já apareciam nos livros da Sabedoria e quase se pode ler literalmente em Eclo 11. Nessa parábola, não se trata do rico mau ou avarento. Não. Simplesmente, ele pensa no modelo que é, hoje, o normal no sistema capitalista: “meus frutos, meus cereais, meus celeiros, meus bens”. E isso em um mundo no qual há um bilhão de pessoas que não tem o mínimo para viver com dignidade. No Brasil, oito pessoas ou famílias possuem renda equivalente ao que seria a renda de mais do que a metade de toda a população brasileira. E isso é considerado como normal. 

No evangelho de Lucas, desde o final do capítulo 9, Jesus se dedica a formar os discípulos para a missão. Nesse capítulo, ele se empenha em mostrar que não é possível ser seu discípulo ou discípula, sem organizar sua vida a partir da partilha e da comunhão.

 A parábola que ele conta se conclui pedindo que sejamos ricos não cada um para si mesmo/a, mas para Deus? O que significa isso?

Como a gente interpreta hoje em dia, essa história que o evangelho chama de "ser rico para Deus"? Para a maioria das tradições espirituais, significa repartir e organizar a vida a partir de um projeto de partilha e de justiça que testemunhem o Amor Divino como fundamento de nossa vida.

A tradição bíblica ensina isso: “Quem é solidário com o próximo empresta a Deus” (Prov 19, 17 e Eclo 29, 8- 13). Isso deu o ditado popular: “Quem dá aos pobres, empresta a Deus!”. Lucas não diz que o tal rico (archom ou pessoa importante) da parábola de Jesus tenha obtido a riqueza de forma desonesta. Não. Ele pode ter sido muito correto na forma de ficar rico (é raro, mas é possível). O problema é que ele se preocupa em “comer, beber e aproveitar ou se regalar com sua riqueza” (v. 19).

 Justamente, aquele homem não se propõe a partilhar. Ele só quer acumular e gastar consigo mesmo. Diferente se ele juntasse os amigos e amigas para se banquetear. Não. A preocupação é gozar sozinho o que ele tem. Aí Deus condena e vem buscar a sua vida naquela mesma noite. E Jesus conclui a parábola dizendo: “isso acontece com quem junta só para si e não para Deus. Juntar para Deus é repartir com os outros e viver a riqueza com os demais. 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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