Em todo o Brasil, as mais de 2200 comunidades afrodescendentes, formadas por remanescentes de quilombos, espalhadas pelo território nacional, comemoram uma importante vitória jurídica e política. Nesses dias, exatamente, na quinta-feira, 08 de fevereiro, depois de um longo processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou válido o Decreto 4887/ 2003 do presidente Lula que reconhecia aos quilombolas o direito a suas terras ancestrais. O Partido Liberal (DEM) impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para invalidar o decreto e impedir os quilombolas de ter as suas terras. Finalmente, o STF declarou que essa ação era improcedente e deu ganho de causa às comunidades afrodescendentes.
Em todo o território nacional,
muitas comunidades negras resistem, com seus costumes próprios e, em alguns
casos, até seu idioma ancestral. Desde o século XVI, chamam-se no Brasil
quilombos as comunidades de homens e mulheres que fugiam da escravidão. Ali se
reuniam homens e mulheres negros, assim como brancos
pobres e índios. Formavam comunidades no meio das matas e nas montanhas, geralmente em
pontos de difícil acesso aos brancos, para melhor se defenderem dos “capitães
do mato” e dos soldados, a serviço dos senhores de engenhos e escravocratas. Assim
como a senzala era o símbolo da escravidão, os quilombos significavam
resistência e luta pela liberdade, conquistada no meio de muitos perigos e
ameaças. Desde os tempos da escravidão até quase nossos dias, muitas dessas comunidades
se mantiveram isoladas e com suas culturas próprias. Somente com a Constituição
de 1988, elas foram reconhecidas. Assim mesmo, até hoje, só uma minoria das
comunidades quilombolas tem a terra demarcada e garantida. É a mesma luta
vivida pelos povos indígenas, ainda expropriados de suas terras ancestrais. A
publicidade capitalista apregoa que índios e quilombolas têm terras demais e as
suas terras não produzem lucro. Além disso, como protegem a floresta, veneram
os rios que correm em seus territórios, impedem a destruição ambiental e vão na
linha contrária ao agronegócio que quer transformar o país em uma imensa
plantação de soja, de eucalipto ou um imenso pasto para o maior rebanho bovino
do mundo.
Em 2013, a CNBB criou um
grupo de Trabalho para estudar e aprofundar a missão da Igreja junto às
comunidades quilombolas. Esse grupo produziu um excelente subsídio, publicado
no livro de Estudos da CNBB, número 105, intitulado: “A Igreja e as Comunidades Quilombolas”, Ali, os bispos católicos
reconhecem que, no passado, a maioria da Igreja foi conivente e cúmplice da
escravidão. Por isso, continuando o gesto do papa João Paulo II, os
representantes da Igreja Católica no Brasil, pedem perdão às comunidades
remanescentes de Quilombos e reconhecem uma dívida histórica e moral da Igreja
para com essas comunidades, suas culturas e religiões. A CNBB se solidariza com
a caminhada dos quilombolas em sua luta pela terra e pelo direito a viverem
suas culturas. Diz que na luta dessas comunidades há um apelo de Deus para
todos nós. Diante do avanço do capital, a resistência das comunidades
quilombolas é uma profecia a ser
acolhida e sustentada.
O documento aprecia a
riqueza cultural que as comunidades quilombolas vivenciam e transmitem. Faz uma
leitura bíblica contrária ao fundamentalismo que condena as culturas e
religiões negras. Alerta sobre o racismo religioso que ainda existe no Brasil. Lembra
que, já em 1967, em uma exortação, o papa Paulo VI reconheceu o valor positivo
das religiões de matriz africana. Denuncia a maldade com a qual os terreiros de
Candomblé e de outros cultos afro têm sido discriminados e perseguidos por
grupos que se dizem cristãos. Nesses dias, em que ainda vivemos a memória do
Carnaval, ressoa por todo o Brasil, o canto profético que, no desfile do Rio de
Janeiro, a Escola de Samba Paraíso do Tuiuti cantou e que se tornou a oração de
todos nós: “ Meu Deus, meu Deus, Se eu
chorar, não leve a mal. Pela luz do candeeiro, Liberte o cativeiro social!”.