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A volta para a compaixão

O evangelho lido pelas comunidades nesse 16º domingo comum do ano (Marcos 6, 30 – 34) conta a volta dos apóstolos da missão para a qual Jesus os enviou dois a dois (evangelho que lemos no domingo passado). 

A primeira coisa que chama a atenção é que eles voltam e contam a Jesus o que tinham visto, vivido e ensinado. E Jesus lhes diz para virem a um lugar de descanso – um lugar retirado. O texto de Marcos diz que eram tantas pessoas em torno de Jesus que eles (Jesus e os apóstolos) não tinham tempo nem para comer. Penso na agitação de nossos dias, no ritmo de nossos trabalhos e nas tantas vezes que gostaríamos de simplesmente dizer a Jesus o que vimos, o que vivemos e, se é o caso, o que estamos propondo às pessoas. Talvez fosse bom atualizar hoje esse evangelho, nos perguntando o que gostaríamos hoje de contar a Jesus do que estamos vivendo e fazendo. 

Hoje ainda, Jesus nos chama para um lugar de retiro e intimidade com ele para descansarmos. O problema é que no relato de Marcos, quando chegam lá (do outro lado do lago), a multidão já tinha chegado antes e os esperava ali. Jesus vê aquela multidão e os olha com compaixão, com solidariedade do coração, porque são como ovelhas sem pastor. 

Talvez não apareça muito claro, mas por trás do olhar de Jesus que se fixa no sofrimento do povo está a crítica profunda do sistema opressor e iníquo que leva o povo a sofrer tanto. A compaixão de Jesus não é mero sentimento diante das pessoas que sofrem, mas é uma atitude de denúncia do sistema opressor e uma inconformidade com a realidade das vítimas desse sistema. É o mesmo olhar de compaixão que faz com que possamos ver com os olhos de Jesus a tragédia da fome e da miséria, assim como das guerras provocadas pelos  impérios ocidentais dito cristãos nos países da África. A volta à pobreza e à falta de perspectivas dos povos latino-americanos que tiveram anos de melhoria de suas vidas em regimes mais progressistas, mesmo com suas falhas. Agora tudo volta à realidade de antes, de dependência do império e de novo colonialismo.  

Esse olhar de Jesus é próprio dele e penso que ele é mais duro com a alienação da religião. O império já se espera que seja colonialista. Das Igrejas cristãs, podia-se esperar que fossem proféticas na linha do evangelho. E situadas na realidade. De fato, as Igrejas acabam colaborando com o mundo da opressão, no lugar de combatê-la e pior que fazem isso muitas vezes, como se representassem Jesus. No texto de Marcos, o texto começa e termina pelo ensinamento. No final é Jesus que ensina. Hoje, ele nos ensina a ver a história pelos olhos dos mais pobres. 

Na visita que fiz a Lula na prisão o que mais me marcou foi quando o ouvi dizer: “Eu não estou preocupado com a minha situação aqui. Estou preocupado pela realidade que o povo pobre está vivendo, pela multidão de pessoas abandonadas à própria sorte que estão invadindo as ruas de nossas cidades e pelas pessoas que estão sofrendo nas filas do INSS e para manter seus filhos nas escolas. Minha preocupação é com o que o povo está sofrendo”. 

Percebi que ele dizia isso comovido e com os olhos embargados de emoção e de vida. Que lição de Política com P maiúsculo como propunha Monsenhor Oscar Romero. Como seria bom que todos os nossos políticos tivessem essa sensibilidade. E a nossa Igreja. Quantas vezes, as pessoas que parecem ovelhas sem pastor, de fato, estão sem pastor porque os pastores não olham o povo com o olhar de Jesus, não se preocupam com os problemas sociais e políticos que os atingem. Ficam em uma visão autoreferencial e apenas religiosa. 

O texto não explicita o conteúdo do ensino de Jesus. No entanto, antes Marcos tinha dito que se tratava do anúncio do projeto divino para esse mundo. E a seguir, Jesus dá como sinal concreto disso, a repartição dos pães. Essa é a prática de Jesus: a repartição da palavra que alimenta e orienta a ação e a partilha do pão que antecipa a partilha da vida. Como é importante que nossas liturgias e cultos possam retomar essa simplicidade e essa profecia de Jesus. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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