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Abrir as portas do coração e do mundo ao projeto divino do Amor e da Justiça.

1º Domingo do Advento – B – Mc 13, 33- 37. 

                                                                Abrir as portas do coração e do mundo ao projeto divino

                   Neste 1º Domingo do Advento começamos o novo ano litúrgico. A partir de agora, nos domingos comuns deste novo ano, leremos sempre o evangelho de Marcos. Neste domingo, o texto escolhido é um pequeno trecho do último discurso de Jesus aos discípulos: Marcos 13, 33- 37. Podemos chamar este texto do evangelho: a parábola do porteiro. 

Em nossos dias, frequentemente, nos edifícios e condomínios de nossas cidades, toda a comunicação entre quem mora e quem visita depende dos porteiros. Toda a segurança é colocada sob a responsabilidade dos porteiros. O termo grego epíscopo que, hoje, se traduz por bispo, no tempo do Novo Testamento, significava justamente a pessoa que vigiava e era guardiã da casa. 

No evangelho, quase sempre o termo casa designa a Igreja doméstica, ou seja, a pequena comunidade de discípulos e discípulas de Jesus que se reuniam em casas de irmãos ou irmãs. Portanto, a Igreja já estava separada do templo e distinta da  sinagoga judaica. 

No evangelho que lemos hoje, Jesus nos diz que todos/as nós devemos ser como porteiros/as e guardiães da casa, ou seja, das nossas comunidades. Em nossos dias, temos também de ser guardiães da nossa casa comum, a mãe-Terra e também da casa que é a cidade e o país no qual vivemos e do qual somos cidadãos e cidadãs. 

À comunidade representada pela casa e especialmente ao porteiro ou à porteira da casa, Jesus dá duas recomendações importantes: Ficar acordado/a e vigiar. São suas últimas palavras a todos/as os/ discípulos/as, antes de ir para a última ceia e depois para o jardim de Getsêmani onde se preparará na oração para enfrentar os sofrimentos da tortura e da paixão. Em Getsêmani, ele disse essas duas coisas aos discípulos de sua predileção: Pedro, Tiago e João. Vigiai e orai. 

No Budismo, Buda significa justamente a pessoa que se mantém desperta. Geralmente se traduz por iluminado/a, mas é no sentido de despertado/a. No Hinduísmo, os Yoguis são pessoas, que pela meditação,  conseguem se manter sempre despertos, mesmo se em estado de quietude, de repouso físico e meditação. São pessoas permanentemente acordadas.

Na Bíblia, profetas eram considerados sentinelas na noite (Ez 3, 16) que noite e dia tomam conta das muralhas da cidade, para avisar da chegada do inimigo e para manter o Senhor acordado e Romalhe recordar as suas misericórdias (Is 62, 6- 7).  À comunidade cristã de Roma, Paulo escreve: “é hora de despertar do sono, porque, agora, a nossa salvação está mais próxima de nós do que quando abraçamos a fé” (Rm 13, 11). 

 O evangelho diz que o porteiro não sabe a que horas virá o Senhor, se na primeira parte da noite ou na segunda vigília ou de madrugada. É uma alusão às etapas ou horas da paixão de Jesus, isso é, a ceia e a oração no horto (primeira vigília da noite), interrogatórios e tortura (segunda vigília da noite), condenação à morte e cruz depois que o galo cantou (terceira vigília). Assim também, nas noites de nossa vida, o Senhor pode chegar no momento da ceia, no momento de nossa agonia, ou em momentos de noite ainda mais escura (perseguição e martírio). É preciso estar sempre alerta e com capacidade crítica para discernir os sinais dos tempos, ou seja, sermos capazes de interpretar os acontecimentos atuais do mundo e, através deles, conseguir escutar “o que, hoje, o Espírito diz às Igrejas e ao mundo” (Cf. Ap. 2, 5).  

No tempo da comunidade de Marcos, a partir da guerra de Roma contra os judeus, o mundo tinha se transformado em um grande Getsêmani e a palavra de Jesus pede aos discípulos e discípulas que sejam capazes de discernir a realidade e manter vigilância e cuidado. 

 Hoje, novamente o mundo parece um grande Getsêmani de angústia e dor para tanta gente. Na noite da agonia de Jesus, conforme os evangelhos, os discípulos mostraram-se distantes e desinteressados do que estava acontecendo. Ficaram distantes, porque nunca tinham compreendido que o projeto de Jesus, isso é, a causa do reino de Deus tinha de ser realizado no serviço humilde e na cruz. Para eles, ao contrário, Jesus como Messias traria o reino divino como projeto de poder. Mesmo depois da ressurreição, mesmo depois de terem recebido o Espírito Santo, eles se organizaram em termos de ministérios de poder, o que Jesus tinha dito explicitamente para não fazer e o evangelho de Marcos é muito crítico em relação a isso. 

Será que hoje, na nossa Igreja, os atuais porteiros (ministros) não continuam tão por fora do projeto de Jesus, quanto o evangelho de Marcos diz que os primeiros discípulos estavam? E nós mesmos, e eu que estou lhes escrevendo isso? Até que ponto assumimos o projeto de Deus do modo como Jesus o viveu e o propõe? 

Como seria bom que, como discípulos e discípulas de Jesus, pudéssemos ajudar o mundo a viver um Advento – tempo novo de expectativa do projeto divino – como tempo de nova organização da aliança da humanidade pela paz e pela justiça eco- social. 

                Uma das primeiras músicas do Chico Buarque ainda nos anos 1960 se chama Pedro Pedreiro. Vocês conhecem?

Pedro pedreiro penseiro, esperando o trem

Manhã, parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem

De quem não tem vintém

Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa

E a gente vai ficando pra trás

Esperando, esperando, esperando

Esperando o sol

Esperando o trem

Esperando o aumento

Desde o ano passado

Para o mês que vem

 

E lá pelas tantas da canção que é longa, Chico canta:

 Pedro não sabe, mas talvez no fundo

Espere alguma coisa mais linda que o mundo
Maior do que o mar, mas pra que sonhar
Se dá o desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais

Sem ficar esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando o aumento para o mês que vem
Esperando um filho pra esperar também
Esperando a festa, esperando a sorte
Esperando a morte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita
Do apito de um trem

Pedro pedreiro esperando
Pedro pedreiro esperando
Pedro pedreiro, pedreiro, esperando o trem
Que já vem, que já vem
Que já vem, que já vem
Que já vem, que já vem. 
Que já vem, que já vem.... 

                      Mesmo quando parece que Pedro Pedreiro não quer mais esperar, ele espera porque a nossa vocação é esperar e a nossa esperança não nasce apenas do nosso desejo e sim da confiança na revelação divina que nos manda esperançar e profetizar os sinais dos tempos.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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