Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

Abrir caminhos de libertação nos desertos do mundo atual

Retomar a caminhada da libertação nos desertos do mundo atual

Neste 2º domingo do Advento (do ano C) o evangelho é Lucas 3, 1- 6 e introduz a missão de João Batista como profeta no deserto. A liturgia nos ajuda a preparar o Natal, não como se fosse apenas a festa do Menino Jesus e sim como celebração da vinda do reino de Deus e a plena manifestação do seu amor. O evangelho mostra que esta vinda se atualiza, através da palavra profética, no meio dos acontecimentos da história. O verso mais importante deste evangelho é que a palavra de Deus foi dirigida a João Batista no deserto. Em latim, o texto diz: Verbum factum est. A Palavra se fez em João Batista como, no dia do Natal, vamos ler o quarto evangelho dizer: “A Palavra se fez carne”. 

O texto de hoje diz que ela se fez carne em João Batista, como deve se fazer carne em nossa carne.   A Palavra se realizou na vida do profeta. O protagonista não é o profeta. A protagonista é a Palavra que ele recebe e encarna e esse processo de receber e incorporar a Palavra de Deus se realiza no deserto. No mundo bíblico, o deserto era espaço negativo. Era considerado o lugar dos demônios. Mas, Deus transforma o lugar da solidão em etapa de travessia para a libertação. É no meio da luta de libertação que o povo oprimido aprende a viver a intimidade com Deus. No século VI, pela boca de Oséias, Deus afirmava: “Vou reconduzir minha noiva (a comunidade do povo oprimido) ao deserto e ali falarei ao seu coração e ela me ouvirá” (Os 2, 16). O deserto, local de riscos e aridez, refúgio e clandestinidade, se torna, assim, lugar do namoro e da reconciliação com Deus. 

Há quem não compreenda porque ou como o padre Júlio Lancelotti e as irmãs que convivem e trabalham com as pessoas de rua podem “gostar”  desse trabalho. Ali, em meio a tanta desumanidade, eles encontram uma motivação para a vida. Do mesmo modo, os companheiros e companheiras que atuam nos diversos níveis da Política oficial. Pensemos nos/as vereadores/as, deputados/as e senadores/as que aguentam o pão que o diabo amassou para se manterem fieis e defenderem os interesses da maioria do  povo e dos mais vulneráveis. Lembremos os irmãos e irmãs que tentam colaborar com as diversas instâncias das pastorais oficiais da Igreja (Católica ou evangélicas) e se sentem falando no deserto...  A realidade atual parece tão pesada que é como túnel no qual não se vê a luz da saída. Como se não houvesse caminho para frente. E no evangelho de hoje, o profeta diz: Abram no deserto um caminho... 

Conforme os Atos dos Apóstolos, Caminho ou caminhada foi o primeiro nome do movimento de Jesus. Foi o nome da Igreja inserida nos anos 1970 e até hoje caracteriza a caminhada libertadora quando se fala em “mártires da caminhada”. Esse evangelho deixa claro que se trata de caminho no deserto e para a terra ou a realidade da libertação. 

Praticamente todos os anos, os evangelhos do 2º Domingo do Advento nos convidam a olhar a figura de João Batista e a pensar este tempo do Advento como “tempo para intensificar a espera e vigilância”, mas temos de fazer isso na atitude concreta de retomar a caminhada da inserção nos desertos do mundo atual. Preparar a vinda do reino é abrir caminho nos desertos do mundo e das Igrejas. 

As pessoas inseridas nesta caminhada sabem do que estou falando. Não é algo poético ou apenas metafórico. Os desertos da caminhada são reais mesmo. Não no sentido de espaços geográficos de areia e aridez mas do deserto  como carência, pobreza e dificuldades de todo tipo que enfrentamos na caminhada. Na caminhada de um mundo que anda na direção contrária à orientação do reino ou reinado divino de paz e justiça eco-social. E na caminhada das Igrejas que, infelizmente, mergulhadas até o pescoço no sistema clerical nem percebem a contradição de falar em sinodalidade em um sistema hierárquico que não aceita renunciar nem a uma mínima porção do seu poder sagrado.  

As pessoas que participaram viram a 1ª Assembleia Eclesial Latino-americana viram os mesmos bispos que durante o dia participavam dos grupos de diálogo e davam passos na direção da sinodalidade, à noite, vestiam seus paramentos e ostentavam suas mitras e báculos em celebrações eucarísticas cujo estilo gritava a favor do poder hierárquico muitos degraus acima separado dos simples leigos e os bispos nem se davam conta disso. 

No evangelho de Lucas, a figura profética de  João Batista retoma a promessa de um discípulo do profeta Isaías no tempo do cativeiro da Babilônia (seis séculos antes de Cristo). Anuncia que Deus vai abrir no deserto onde não tem estrada um caminho de libertação para o povo. Vai aplainar montanhas e abismos e realizar a libertação. Essa é a profecia. Ela trouxe esperança para o povo antigo, trouxe ânimo para as comunidades cristãs no tempo em que este evangelho foi redigido e pode ser mensagem de luz e de força para nós, em nossos dias. E a profecia hoje é acreditar e testemunhar que Deus vai abaixar montanhas intransponíveis. Vai nivelar abismos e fazer com que se abram caminhos onde até aqui nunca houve caminho e sim apenas obstáculos. E o evangelho conclui afirmando que toda criatura (não somente os humanos, mas toda a natureza junto com a humanidade) verá a salvação divina. Essa é a promessa divina e se dará gratuitamente e pela força do Espírito, mas não de forma mágica e sim pelo nosso testemunho e trabalho que, como novos João Batista precisamos mergulhar (em grego, batizar) este mundo na ação libertadora. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações