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Admiração, espanto e rejeição raivosa: reações à proposta de Jesus

Admiração, espanto e escândalo: reações à proposta de Jesus

                Neste IV domingo comum do ano C, o evangelho (Lucas 4, 21- 30) continua a cena do domingo passado, quando víamos Jesus se apresentando na sinagoga de Nazaré, como o Servo de Deus anunciado pelo discípulo de Isaías (Is 61) e proclamando um novo tempo de Jubileu como tempo de graça e de libertação. De acordo com o evangelho, ao proclamar que sua missão era atualizar essa palavra, de modo que ela se cumprisse naquele momento (hoje), Jesus suscita das pessoas que estavam na sinagoga a admiração. O texto diz que todos ficaram muito admirados com as palavras de graça que saíram da sua boca. Admiração é um sentimento positivo. A postura de quem admira é favorável. Quando o texto diz “com as palavras de graça” pode estar aludindo ao fato de que Jesus leu o profeta Isaías no começo do capítulo 61, mas escolheu só a parte de graça e libertação. Pulou o versículo que falava em castigo e vingança. E as pessoas que o ouviram ficaram admiradas por isso. E se espantavam: “Não é este o filho de José?”. 

Podemos até imaginar que se Jesus tivesse ficado quieto, tudo parava ali com a admiração deles (e delas).  No entanto, conforme o evangelho, Jesus passa a reagir de forma provocativa e até com uma violência verbal que parece meio desproporcional. 

Ele reage contrário a esse olhar para dentro: Não aceita que alguém diga “médico, cura a ti mesmo” e  diz claramente que não pensa em fazer em Nazaré, a sua aldeia, os milagres que tinha feito em Cafarnaum (mesmo se conforme o evangelho, a ida dele a Cafarnaum só é contada depois a partir do verso 31). E aí piora tudo. Explica que Deus mandou os profetas Elias e Elizeu, não para os pobres e doentes da própria terra e sim para os pobres e doentes de nações estrangeiras. Portanto, disse claramente seria profeta da libertação, mas para fora: para os estrangeiros. E aí a reação que tinha sido de admiração e depois de espanto, passou a ser de raiva e rejeição. “Na sinagoga, todos se enfureceram contra ele, o expulsaram da cidade e queriam matá-lo” (v. 28- 29). 

Quando, na segunda metade da década de 1960, começou a se falar em inserção da Igreja no meio dos pobres, muita gente contestava dizendo: a Igreja é de todos e não pode privilegiar ninguém. Muita gente não entendia o jeito de ser e de trabalhar de pastores como Helder Camara, Tomás Balduíno, Pedro Casaldáliga e outros. Eles eram acusados de ser mais políticos do que bispos. Pareciam se preocupar mais em servir aos de fora da Igreja, do que em confirmar na fé os de dentro. 

Em 1979, na 3ª conferência do episcopado latino-americano em Puebla (México), foram os bispos conservadores e preocupados em controlar e mitigar a inserção da Igreja no meio do povo, que conseguiram colocar no documento conclusivo, a chamada “opção preferencial pelos pobres”. Queriam deixar claro que era preferencial. Não exclusiva nem excludente. No evangelho, Jesus não teve essa preocupação. Assim como Maria no seu cântico disse claramente: Deus faz subir os pequenos e derruba os poderosos. Enche de bens os famintos e despede os ricos sem nada. 

Ao ir à sinagoga no sábado e ler a profecia de Isaías que contava a vocação do profeta, Jesus deixou claro que recebia o Espírito de Deus para cumprir uma missão libertadora e ela seria exercida para todos e todas, particularmente e prioritariamente, para os de fora. 

Quando, jovem, comecei a trabalhar no diálogo com outras Igrejas, ouvi algumas pessoas dizerem: Comecemos por nossa casa mesmo. Parece que, neste evangelho, Jesus diz o contrário: vamos privilegiar sim quem é de fora para que ninguém fique excluído. 

Em nossos tempos, pela primeira vez, na história da Igreja Católica, desde os tempos modernos, um papa sofre hostilidades e sabe que é rejeitado por parte de bispos, padres e grupos católicos. Propõe uma Igreja em saída e a reação de muitos é tão violenta quanto foi a dos homens da sinagoga de Nazaré à proclamação da missão de Jesus. Conforme este evangelho, Jesus já iniciou sua missão ameaçado de morte pelos religiosos da sinagoga de Nazaré. Os mais apegados à lei e a fé foram os que queriam jogar Jesus do rochedo no qual a cidade era construída. 

Até hoje, quem procura realizar a missão de Jesus encontra resistência e oposição. Há uma ecumenicidade da fé que pede de nós diálogo e respeito aos que pensam diferentemente, mas não podemos aceitar que, em nome de Deus, se legitime o racismo religioso, injustiças sociais e uma política de violência e de morte. Se o Espírito de Deus que nos ilumina e inspira é o mesmo que inspirou Jesus, ele sempre nos levará à missão libertadora e à abertura para as pessoas e comunidades que estão fora.   

O caráter social e libertador da fé não é algo como se fosse apenas consequência ou apêndice da missão evangélica. É o próprio núcleo da vocação profética. A dimensão pentecostal e carismática da espiritualidade é o que há de mais radicalmente social e político na postura de Jesus. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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