Anoitecer luminoso
Em toda a América Latina, as pessoas de boa vontade e que amam a paz e a justiça se perguntam o que está acontecendo. Durante mais de uma década, a América Latina parecia menos injusta e menos desigual. Muitos países tinham governos que, mesmo sem ser socialistas, tomavam como prioridade a justiça e a igualdade social. Para isso, era importante libertar nossos países do colonialismo externo que nos aprisionava aos impérios do mundo e também diminuir as desigualdades sociais internas. Na Bolívia, Equador e Venezuela, novas constituições, discutidas e aprovadas por todas as camadas da sociedade, garantem os direitos dos trabalhadores pobres, dos índios, dos lavradores e dos moradores de periferia. Em outros países, como Argentina, Uruguai, Paraguai e mesmo o Brasil, para conseguir governar, os setores mais progressistas tiveram de fazer acordos nem sempre fáceis com a elite. Não propuseram nenhuma reforma estrutural. No entanto, sob esses governos o povo também conseguiu algumas conquistas. A ONU reconheceu oficialmente que, na primeira década desse século, pela primeira vez, a pobreza diminuiu em toda a América Latina. Em vários países, como Bolívia, Equador e Venezuela, a FAO concluiu que não havia mais fome e a taxa de analfabetismo era praticamente zero.
A partir de 2010, o império norte-americano derramou milhões
de dólares na Sociedade Interamericana de Imprensa para garantir que os meios
de comunicação fizessem uma campanha sistemática e sem trégua contra os
governos considerados progressistas (nem precisava ser de esquerda). E quando
alguns nem assim entravam em crise, as embaixadas norte-americanas garantiriam
o financiamento de golpes parlamentares. Em Honduras, fizera um golpe militar
(2009). No Paraguai, o dinheiro convenceu a maioria dos congressistas a
decretarem o impedimento do presidente eleito Fernando Lugo (2011). Na
Argentina, não foi preciso golpe. O dinheiro derramado permitiu a eleição de um
aliado do império. No Brasil, conforme declaração do próprio Temer nos Estados
Unidos: foi preciso tirar Dilma para garantir que os interesses do império
pudessem ser salvos.
Quem se guia pelas notícias da imprensa internacional e das
agências que as repetem no Brasil, a Venezuela enfrenta um caos econômico, o
povo passa fome e um governo ditatorial se impõe contra tudo e contra todos.
Testemunhas e observadores enviados à Venezuela por organismos internacionais
de Direitos Humanos atestaram que a situação econômica é difícil porque os
comerciantes boicotam o governo e escondem alimentos para vendê-los pelo preço
do dólar paralelo. No entanto, o governo respeita todas as leis democráticas,
existe plena liberdade de organização e de comunicação e os programas sociais
funcionam de forma melhor do que na maioria dos países do continente, inclusive
no Brasil. Para quem acha que o império conseguiu acabar com tudo, é bom saber
que a Bolívia continua o seu caminho e que o Equador acabou de eleger um
presidente que continuará o caminho até aqui percorrido pelo governo de Rafael
Correa.
No México, desde que, em 1994, começou a rebelião zapatista
dos índios em Chiapas, a vida das comunidades indígenas mudou muito. Os índios tentaram diversos acordos de paz com
o governo. Todos falharam porque o governo não respeitou nenhum. Muitos líderes
foram assassinados. Um cai e outro segue o caminho até ser morto e substituído
por outro e, assim, eles não perdem a esperança. Apesar de terem sofrido
repressões terríveis e de que muita gente foi assassinada, os índios
organizaram os caracóis, unidades
organizativas com um governo próprio nas comunidades locais. E contra o que
chamam "a preguiça do pensamento", organizam seminários e encontros
de estudo a que chamam de "sementeiras". Nos anos de 2013 e 2014, a
escolinha zapatista acolheu três mil jovens estudantes de diversos países,
interessados em pensar uma política baseada na solidariedade e um modo de
organizar a sociedade mundial a partir de baixo e dos pobres. Pensam em apresentar uma mulher índia
como candidata à presidente do México em 2018. Sabem que a chance de vitória é
mínima, mas teriam o tempo de campanha para despertar o povo do México para um
fato que eles expressam assim: "Já podemos
escutar o som de um mundo que desaba. Escutem! Esse mundo é a sociedade, essa que
vocês sustentam e acham que tem de se organizar desse modo. O nosso outro mundo
(indígena) foi reduzido a pouco e vocês acham que está em ocaso. Vocês nos veem
como um povo primitivo e atrasado. Mas, o nosso anoitecer nos levará à luz da
ressurreição porque é feito de amor e de esperança".
Que essa mensagem dos índios do México possam nos animar a
continuar o caminho do amanhecer em busca de uma sociedade mais justa. Como diz
o Fórum Social Mundial: "Um mundo
novo é necessário. Juntos podemos torná-lo possível".