4º Domingo do Advento B – Lc 1, 26- 38.
Anúncio do Natal para um mundo devastado
Neste quarto domingo do Advento, retomamos um evangelho muitas vezes lido e repetido nas liturgias: Lucas 1, 26- 38. É a narrativa de como Gabriel, o mensageiro (anjo) de Deus anunciou a Maria que ela estava grávida e seria a mãe de Jesus, o Salvador do mundo.
No primeiro capítulo do seu evangelho, Lucas contrapõe dois anúncios: o mesmo mensageiro (anjo) aparece em Jerusalém, no templo e anuncia a Zacarias, sacerdote o nascimento do profeta João Batista. Gabriel é o mensageiro que, conforme a Bíblia, apareceu duas vezes ao profeta Daniel para anunciar a chegada da época messiânica, ou seja, o tempo da libertação do povo. O fato de que, no evangelho, é esse mesmo mensageiro que anuncia o nascimento do profeta João Batista e de Jesus é muito significativo. Coloca esses dois anúncios como início do tempo messiânico, anunciado no apocalipse de Daniel.
O primeiro anúncio é dirigido a um sacerdote, no templo, de forma solene e junto ao lugar mais santo, o altar. Conforme esse evangelho, mesmo da religião ritual ainda pode nascer a profecia. Zacarias é símbolo do que ainda há de bom na religião: o evangelho diz isso ao salientar: Zacarias e sua esposa Isabel eram justos diante de Deus. Mas eram velhos e não tinham filhos. Ela era estéril. Talvez, ao dizer isso deles, o evangelho queira aludir que a religião sacerdotal é assim: é boa quando se coloca do lado da justiça (eles eram justos) e mesmo assim é velha e estéril se não se abre à profecia. No entanto, qual sacerdote de religião ritual adere realmente ao anúncio do nascimento de um profeta?
Desde os tempos antigos do primeiro testamento, sacerdote nunca gostou de profeta. No tempo de Amós, o sacerdote Amasias tramou com o rei a morte do profeta Amós. Agora, vem um mensageiro de Deus e ao lado do altar do templo anuncia ao sacerdote que ele vai gerar um profeta... Será que sacerdote pode mesmo gerar profeta? Zacarias não acredita e fica mudo. E o anjo diz a Zacarias, cujo nome significa “Deus se recorda” que o seu filho deve se chamar João: Deus dá a graça...
A religião se apoia no culto, nas oferendas, nos votos e nas festas religiosas. Não se apoia na graça. Por isso o sacerdote acaba ficando mudo.
Seis meses depois, em Nazaré, aldeia pobre da Galileia, o mesmo mensageiro vai até a casa simples de uma mocinha qualquer, da qual só se diz o nome, um nome comum: Maria e anuncia o nascimento de Jesus. É uma moça leiga e comum que vai descobrir que Deus precisa de que ela aceite e diga Sim para que o projeto divino no mundo possa se realizar. A boa nova do evangelho de hoje é que Maria aceita acolher em seu corpo e em sua vida o que Deus lhe pede.
Quando, nos anos 80 do primeiro século, a comunidade do evangelho escreveu este relato, o fez como midrash, isso é, comentário em forma de narração de um belo poema do profeta Sofonias (Sof 3, 14- 17).
A comunidade profética escreveu esse poema seis séculos antes da nossa era. Naquela época, o povo de Judá viu o seu país ser destruído pelos babilônios e a própria fé entrava em crise profunda. O cativeiro era uma negação das promessas de Deus. É como se Deus não tivesse cumprido o que prometeu. Os salmos da época, como o 43, o 77 e o 80, gritavam: Onde está Deus que não vê o que está acontecendo? Ele se esqueceu da sua promessa? Abandonou o seu povo nas mãos dos seus inimigos?
Naquela situação, a profecia de Sofonias fala de Jerusalém como sendo uma moça pobre “filha de Sião”. E diz a ela: “Alegra-te. O Senhor está contigo, está no meio de ti e em ti”. A essa pobre comunidade impotente e invadida, Sofonias anuncia a restauração da vida e da aliança de libertação em Deus (entre as tribos) e com Deus: Alegra-te. O Senhor está contigo.
São as mesmas palavras que o mensageiro divino retoma quase literalmente a Maria. Assim, Lucas afirma que Maria é a nova “filha de Sião”. Ela representa a nova comunidade pobre, que, no meio da sua impotência e da sua pobreza, é visitada pela graça (O Senhor está contigo). Maria representa a nova humanidade a quem Deus vem visitar e tornar fecunda, como tornou fecundos os velhos Abraão e Sara e agora Zacarias e Isabel.
Quando o anjo promete que a Ruah Divina cobrirá Maria com sua sombra, está recordando o Êxodo e a caminhada do povo hebreu no deserto. O livro do Êxodo conta que, durante a caminhada no deserto, o povo se dirigia a uma tenda vazia e uma nuvem escura cobria a tenda com a presença divina. Ali na Shekiná, a tenda divina, Deus escutava os pedidos do povo e os atendia, como Mãe a seus filhos e filhas. Agora a mesma sombra divina, que cobria a tenda no deserto, desce sobre Maria. Ela é a nova tenda, o novo útero, a partir do qual a nuvem da Divina Ruah vai gerar o Cristo.
Hoje, relemos este evangelho para reafirmar que a Ruah Divina vem de novo com sua sombra cobrir as novas tendas da presença divina. Somos nós estas novas tendas da presença divina que temos de lembrar ao mundo que o projeto divino é contrário à sociedade do desvínculo e da indiferença social. Hoje são as comunidades que dão a Maria um corpo social. Por obra do Espírito Santo, geram para esse mundo um novo Natal. Fazemos isso através da amorosidade da vida, traduzida em solidariedade.
Hoje, esse evangelho que anuncia o nascimento de Jesus vem nos dizer algumas coisas boas e outras desafiadoras. A boa nova é que o Senhor vem e está em nós e no meio de nós. É fonte de libertação e de vida nova para nós e para a humanidade. O aspecto desafiador é que é o nosso Deus vem, como veio no Natal. Não vem como Deus poderoso para resolver tudo com milagre e através do poder. Vem como pequenino e impotente.
Os evangelhos contam que, várias vezes, Pedro, os outros apóstolos e mesmo João Batista na prisão cobravam de Jesus a postura de um messias poderoso e que trouxesse ao mundo o julgamento de Deus. Até hoje, a Igreja fala da imagem simbólica do Cristo Rei, glorioso, Senhor da história que virá revestido de poder. Os cristãos das primeiras gerações se frustraram porque essa manifestação gloriosa de Jesus não aconteceu. É melhor aceitarmos que o Natal acontece quando nos deixamos engravidar por esse novo modo de ser amor, na nossa vida pessoal, no nosso modo de ser Igreja e de sermos cidadãos e cidadãs do mundo. Aí sim, vamos inundando o mundo de Natal. Feliz Natal para vocês!
“Apesar de tudo, Deixem que eu sonhe.
Ainda uma vez, permitam Que eu creia no impossível.
Sou mulher e creio no amor, aquele capaz de transformar
e acalmar até que no fim se acabe o horror do egoísmo.
Este amor faz florescer ali onde ninguém mais acredita
um mundo melhor. Deixem-me sonhar.
Eu garanto a vocês: eu vi a esperança dançar”. (Poema de Elisa Kidané no livro: “África, nossa Terra-Mãe [1])
[1] - Ver em italiano: KIDANÉ, Elisa. África mostra madre Terra. Effatà Editrice.