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Artigo citado, sábado, 27 de junho 2015

O grito da terra, dos pobres e dos migrantes

Pe. Alfredo J. Gonçalves

Adital

"As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de protecção. Por exemplo, as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil” (Laudato Si’, nº 25).

Vale a pena citar todo esse número da nova Carta Encíclica do Papa Francisco – Laudato Si’ – centrado sobre as mudanças climáticas e as implicações para os, digamos, "refugiados climáticos”. Estes, apesar de seu "trágico aumento”, não são reconhecidos como tais. Prevalece, como se pode ver, a "indiferença geral”. Forçados a fugir de sua terra natal e ignorados quanto ao seu estado de refugiados, terminam ao mesmo tempo praticamente eliminados da própria face do globo terrestre, "nossa casa comum”, título do documento pontifício. Indesejados e rechaçados, constituem, aos milhares e milhões, os errantes e excluídos de uma "economia que mata e descarta”, insiste o Papa.

Uma das ideias centrais do texto – espécie de fio condutor que percorre suas páginas – é a estreita relação entre "a dívida ecológica”, de um lado, e a "dívida social”, de outro. Na verdade, duas faces da mesma moeda, uma vez que os primeiros a sofrerem pela devastação dos ecossistemas são aqueles que não dispõem de meios para defender-se de inundações, secas e outras catástrofes do gênero. "As agressões ambientais atingem o povo mais pobre”, diz o Pontífice, citando a Conferência Episcopal Boliviana (LS, nº 48). Em outras palavras, a degração do meio ambiente e a degradação do ser humano ocorrem simultaneamente, por isso mesmo não podem ser consideradas desvinculadas uma da outra. Qualquer conjunto de políticas públicas destinadas a sanar as feridas e "sintomas de doença” (LS, nº 2) do planeta terra, deve levar em conta as "feridas sociais” (LS, nº 6) das populações mais afetadas, debilitadas e indefesas.

A questão ecológica vem ganhando "maior consciência” e crescente sensibilidade de movimentos, entidades e organizações não governamentais (LS, nº 19). Insere-se intrisecamente na questão social, por sua vez fio condutor de toda a Doutrina Social da Igreja. Disso resulta uma "intima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta” (LS, nº 16). Hoje – diz literalmente o Papa – "não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS, nº 49).

Os migrantes – refugiados climáticos – costumam desmascarar essa estreita ligação entre os danos causados ao meio ambiente e os danos sofridos pelos extratos mais desfavorecidos da população mundial. O grito da terra, dos pobres e dos migrantes é um só e único. Muitos, impossibilitados de autodefesa, são pressionados à fuga em massa. Isto quer dizer que as soluções apontadas pelo documento, insistindo sempre sobre o protagonismo dos envolvidos, não podem deixar de lado os dramas dos migrantes, refugiados, prófugos, fugitivos... número que hoje alcança dezenas de milhões.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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