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Artigo, sábado, 12 de dezembro 2015

Hoje se encerra em Paris a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Como esperávamos, nada sairá de novo ou de forte. Através dos amigos que estão lá em Paris, acompanhando as negociações, recebi esse artigo de uma companheira do INESC e que me parece uma análise séria e lúcida sobre a realidade: 

Último dia depois de 21 anos.

E ainda assim, não será  o fim.

Após duas semanas acompanhando as negociações da COP21 chegamos ao último dia com a clara percepção de que haverá um acordo, mas que será super frágil. Será mais uma agenda para os próximos anos, do que propriamente, um documento com poder vinculante, onde todos os 195 países parte deverão fazer todos os esforços para resolverem o aquecimento do Planeta. As corporações venceram.

Após participar de vários debates vai ficando mais clara a idéia, já discutida em artigos anteriores, que o que estamos vendo aqui em Paris, neste gelado fim de 2015, é mais um momento da reformatação da governança mundial nos moldes preconizados pelo relatório do Global Compact, antes da realização do Rio+20, em junho de 2012. Para eles, em síntese, boa governança é a articulação entre governos, corporações e algumas grandes ONGs atuando em conjunto para manter o sistema operando sem problemas.

Os debates de clima começaram nos idos dos anos 80, do século passado, e nesta mesma década já era clara a vinculação entre o aquecimento global e a atuação dos seres humanos através de seu modelo de produção e consumo. Cientistas começaram a conclamar uma mudança nos padrões então existentes.

Antes que governos ou mesmo a sociedade civil mundial tivesse tempo, as grandes corporações e os respectivos governos dos países ricos onde a grande maioria delas se encontram, começam assinar os tratados de livre comércio. Noemi Klein, jornalista e ativista canadense, mostra claramente que nesta mesma época, anos 80, caiu o muro de Berlim, última barreira para o capitalismo e também é quando é preconizado o fim da história, por Francis Fukuyama. O que nos mostra ela é que comércio e clima estão interligados. Na verdade, o capital, por meio do comércio e sistema financeiro se reinventa e se articula em vários frentes.

A fragilização dos governos aconteceram para que as corporações tivessem mais espaço de atuar neste cenário. Para isso, se tornava fundamental, redesenhar o poder, redesenhar os papeis das instituições e reformular os tratados e conteúdos pré-definidos para justificar, inclusive, moralmente essa mudança de paradigmas.

Os Estados-Nação, abdicam de seu papel moderador dos diversos interesses da sociedade e fiscalizador dos bens comuns, para ser um ator a mais e imbuído da missão  de abrir espaço no âmbito das mentalidades e do marco regulatórios e jurídicos para que as grandes corporações e instituições do sistema financeiro pudessem atuar com liberdade e sem constrangimentos. A lógica corporativa redesenha os Estados e seus governos operam em total submissão. Caso contrário, pagam o preço com as crises políticas e econômicas até seu esfacelamento ou são acionados juridicamente, como vem acontecendo em várias partes do mundo (Canadá, Alemanha entre outros governos acionados por grandes multinacionais por atrapalharem seus investimentos e lucros).

A Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente - Rio + 20 foi um exemplo de como os conteúdos foram modificados para servir a esse novo conceito de participação público e privada como fórmula mágica de resolução de todos os nossos problemas. Assim, desta forma, privatiza-se o que ainda falta: sistema de saúde; educação e por que não a natureza? Rio+20, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Financiamento ao Desenvolvimento e as COPs de Clima e biodiversidade não são nada mais e nada menos que a adequação destes marcos a essa nova onda no Planeta.

Mais negócios, aceleração dos mecanismos financeiros, tecnologias para enfrentar o aquecimento global. Mais, mais, mais. E é aqui que ficamos aturdidos e sem saber ou mesmo ter forças para combater esta tendência que atravessa como um trator sobre todos os povos e populações e ecosistemas.

Concluo com um pensamento não muito otimista de todo este processo. Se continuamos com uma idéia de comércio crescente e infindável, olhando nosso Planeta como cadeias produtivas infindáveis e vendáveis estaremos próximos de um grande pesadelo humano e coletivo. Exportamos de modo crescente, carnes, grãos, tecnologias para sustentar um modelo que nunca dará conta de resolver a fome e a desigualdade do mundo porque não é para isso que esse modelo econômico existe.

O acordo que esta sendo firmado sobre clima e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) são explícitos em dizer que nenhuma medida ou acordo poderá atrapalhar o fluxo de comércio do mundo. Por que será que esta salvaguarda consta destes tratados? O que pretendem preservar. Esse é o alerta que nos faz Noemi Klein em suas falas nas atividades da Coalizão Clima na Zona de Ação Climática (ZAC) organizada pela sociedade civil mundial, em Paris.

Por fim, a COP21 é mais um tratado neste quebra-cabeça. E pasmem, enquanto pensamos no clima, se é 1ºC ou 2ºC do outro lado do mundo, em Nairobi, querem fechar a Rodada de Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), entre outros acordos comerciais tenebrosos (TPP etc) que se arquitetam no mundo e que manterá nosso Planeta aquecendo-se aceleradamente. Porque o debate de clima não se trata de resolver o problema do clima, mas de manter a porta aberta do capitalismo verde e sua livre expansão em qualquer ponto da Terra.

Iara Pietricovsky

Paris, 11/12/2015

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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