Um cinquentenário perigoso
Para qualquer instituição, todo projeto de reforma é, de certa forma, uma ameaça. Até na vida humana, as fases de mudança são épocas de crise e de dor. Entretanto, se o feto não enfrentar o risco do ambiente externo e não renunciar à segurança do útero materno, não há nascimento e, por conseqüência, morre. Nestes dias, a Igreja Católica e o mundo inteiro celebram o começo das celebrações do 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II em Roma no dia 11 de outubro de 1962. Desta semana até o próximo ano, no mundo inteiro, diversos eventos recordarão aquele evento feliz que deu início a uma profunda renovação da Igreja e a pôs em diálogo respeitoso e construtivo com o mundo contemporâneo.
Hoje, há quem estranhe que, neste começo do século XXI, a estrutura da Igreja Católica se mantenha inalterável e com aparências de uma instituição medieval. Alguns eclesiásticos usam o nome de Deus e a justificativa da fé para resistir a qualquer proposta de mudanças. Entretanto, se, em certos ambientes católicos, essa é a realidade atual, há 50 anos, esse apego a tradições dos séculos medievais e modernos como se viessem dos tempos evangélicos era muito mais forte. Por isso, a maioria dos católicos estranhou quando na noite de 25 de janeiro de 1959, apenas três meses depois de ter sido eleito papa, João XXIII participa de um culto ecumênico pela unidade das Igrejas cristãs e declara ao mundo a decisão de convocar um concílio geral que reunisse todos os bispos do mundo para renovar a Igreja Católica em vista de melhor se adequar ao caminho para a unidade com outras Igrejas cristãs.
João XXIII fazia uma distinção entre a Tradição (com t maiúsculo), memória da fé que vem de Jesus e as tradições (com t minúsculo), costumes que, durante o decorrer dos séculos, foram se juntando como elementos culturais na forma da Igreja ser. Para a renovação, o papa propunha dois critérios: voltar às fontes da fé e, ao mesmo tempo, atualizar o modo de ser e a linguagem da Igreja.
O Concílio Vaticano II teve quatro sessões e se encerrou em dezembro de 1965 oferecendo à Igreja e ao mundo 16 documentos que foram referência para a renovação eclesial e para o diálogo com o mundo. Desde esta época, o mundo viveu não apenas uma época de fortes mudanças, mas uma verdadeira mudança de época. Mais de 80% das invenções atuais que parecem normais nas casas e na vida das pessoas de hoje não existiam no começo dos anos 60. Em todo o mundo as sociedades de cultura agrária se urbanizaram. Mesmo quem vive no campo, convive com carro, tem televisão e participa, de alguma forma, de uma cultura urbana. Por isso, hoje, algumas propostas do Concílio Vaticano II já não são atuais. Entretanto, quando se vê a tendência de grande parte da hierarquia eclesiástica de hoje voltar aos tempos de cristandade e viver uma cultura como se se pudesse retomar aos séculos passados, o Concílio, vivido há 50 anos, ainda parece uma proposta renovadora. Hoje, quem procura escutar o que o Espírito diz hoje às Igrejas deseja uma Igreja mais sinodal, isto é, democrática e igualitária em sua forma de ser e que retome o diálogo com a humanidade que o papa João XXIII começou e tanto quis ver aprofundado.