Pátria afro-latíndia
Em todo o Brasil, a partir desta 5ª feira, as comunidades católicas começam as novenas preparatórias ao Natal. É um tempo no qual a linguagem da fé toma a forma de um apelo mais profundo pela libertação. Na Bíblia, aprendemos que não adianta a libertação apenas social e econômica. Ela deve chegar a ser interior e espiritual. A realidade social é sinal e instrumento desse processo mais profundo que envolve todas as dimensões da pessoa e da comunidade humana. Por isso, como sinais do projeto divino que quer realizar no mundo, Jesus cura as pessoas, faz com que a multidão no deserto reparta a pouca comida que tem e reconcilia as pessoas consigo mesmas e com Deus.
Desde o sábado 17, cada tarde, durante uma semana, as comunidades cantarão invocações que se concluem sempre pedindo pela libertação. Nosso irmão Reginaldo Veloso traduziu essas antífonas maiores compondo um refrão que, a cada dia, canta: “Vem, ó filho de Maria, vem ó nossa alegria. Quanta sede, quanta espera! Quando chega, quando chega aquele dia?”. As comunidades expressam em uma linguagem religiosa tradicional essa expectativa espiritual pelo reino divino manifestado na vinda de Jesus. Em um estilo mais civil e laical, os povos latino-americanos recordam, no mesmo dia 17 de dezembro, a mesma ânsia de libertação e mais vida para todos. Esta data nos traz dois aniversários importantes. No 17 de dezembro de 1819, em Angostura, foi proclamada a república na grande Colômbia, que unia diversos países do nosso continente. Nessa mesma data, em 1830, falecia ainda jovem o libertador Simon Bolívar, sem ter visto realizado o seu sonho de integração continental e de liberdade para índios e negros de todo o continente. Apesar de que Bolívar não conseguiu realizar a proposta da “pátria grande”, esse sonho permaneceu sempre o ideal profético de todos os verdadeiros patriotas latino-americanos e caribenhos.
De fato, ao lutar pela integração do continente, Bolívar propôs uma grande Colômbia. Hoje, ele não usaria este nome que recorda o conquistador. Retomaria a idéia da Abya Yala, nome com o qual vários povos indígenas chamavam o conjunto do continente, plural e sem fronteiras que unia povos diversos na comunhão com a mãe Terra.
O Brasil, colonizado pelos portugueses, teve menos contato com o movimento bolivariano. Entretanto, o general pernambucano Abreu e Lima, filho de um dos heróis da Confederação do Equador, fez parte do exército de Bolívar e participou ativamente das lutas que geraram a libertação da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.
Atualmente, por vários países do continente, emerge um novo bolivarianismo, baseado na prioridade da educação para todos, na valorização das culturas indígenas e no ideal do bem viver, na convivência com o diferente e na comunhão com a natureza. Há poucos dias, em Caracas, governos da América Latina e do Caribe criaram oficialmente a CELAC, Comunidade integrada dos países latino-americanos e caribenhos, um passo a mais nesse processo de integração continental e de independência frente às grandes potências que antes mandavam nos nossos países. Cada vez mais nos tornamos não mais apenas a Abya Yala dos índios, mas uma grande pátria que podemos considerar afro-latindia, porque congrega em seu seio as comunidades afro-descendentes, os de culturas indígenas e os que se consideram mais latinos, todos unidos em suas diversidades e em sua marcha histórica. A celebração do Natal não é apenas a memória do nascimento de Jesus, mas de sua inserção em nossa história para testemunhar que Deus está com toda humanidade em seu caminho de vida y libertação. Toda experiência libertadora é sinal e testemunho dessa ação divina. Uma história judaica conta que chegou na sinagoga local a notícia: O Messias chegou e está na porta da cidade. Um jovem perguntou ao rabino: “O que ele está esperando?”. O rabino respondeu: “Ele espera por você!”. Cada pessoa humana é chamada a ser o messias, o consagrado de Deus.