A boa notícia hoje é a melhora relativa do estado de saúde de Dom Tomás. Os médicos dizem ter alguma esperança. Ontem ele estava inconsciente. Agora já reage e até conversou um pouco com o médico. Graças a Deus. Que energia de vida. E que capacidade de lutar pela vida aos 91 anos. Que Deus o mantenha conosco ainda por algum tempo.
Agora reparto com vocês o artigo que mandei nessa semana para a imprensa e revela muito do que penso sobre isso:
Amar a vida é doá-la
Os livros sagrados de muitas tradições espirituais têm essa mensagem. Os cristãos podem descobrir a mesma verdade no evangelho de Jesus. Há um modo de amar a vida que é apegar-se a ela, às vezes, até de modo obsessivo e egoísta. No entanto, outra forma de amar a vida e estar bem com ela é praticada por pessoas que se consagram aos outros e a causas mais nobres da humanidade. Algumas fazem isso por puro amor e alegria de se doar. Outras, ao sentir-se ameaçadas por doenças, ou abatidas pela perda de entes queridos, enfrentam a dor e superam as dificuldades doando aos outros o que têm de mais caro e precioso: a própria vida. Nesses dias, ouvi de alguém que, em um diálogo pessoal, escutou do presidente Hugo Chávez, talvez já muito doente, a seguinte afirmação: “Dizem que o segredo da política é o poder. Não é verdade. A essência da verdadeira política é o amor”.
Do ponto de vista filosófico, é fácil compreender isso e concordar com esse princípio. É difícil saber como realizar isso no cotidiano da vida, em um mundo cheio de complexidades e conflitos. Por isso, mesmo se cada pessoa é diferente e as situações não se repetem, é importante apoiar-nos na experiência de irmãos e irmãs que viveram a vida como doação e foram felizes. Nesse mês de novembro, há 70 anos, entre os muitos judeus assassinados no campo de concentração de Auschwitz, morreu uma jovem judia holandesa de 27 anos, chamada Etty (Ester) Hillesun. Essa moça era uma jovem anônima de Amsterdam. Só se tornou conhecida quando, anos depois de sua morte, o mundo tomou conhecimento de oito cadernos de anotações diárias. Os primeiros, ela deixou com amigos. Os últimos foram jogados de um trem, quando ela foi levada ao campo de concentração onde morreria. Todos foram reencontrados e, a partir de alguns anos, estão publicados em várias línguas.
O diário de Etty Hillesun revela uma moça alegre, de bem com a vida que, em uma época de muita repressão afetiva nas famílias judaicas, gostava de festas e namorava muito. Dizia que, para ela, o erotismo era um caminho de relação com Deus. Quando se intensificou a perseguição aos judeus e ela se deu conta da realidade trágica dos seus próximos, embora não precisasse, decidiu “assumir o destino do seu povo”. Entregou-se para sofrer a mesma sorte que os judeus viviam. E acabou levada a um campo de concentração e morta pelos nazistas. No campo de concentração, em meio às barbaridades que ela sofreu e via os outros sofrerem, sua palavra era clara: “nessas circunstâncias tão terríveis, a minha contribuição para o meu povo é que não podemos abrir mão da misericórdia. Precisamos nos tornar incapazes de odiar, aconteça o que acontecer conosco. Essa será nossa única força”. Tinha clareza de posições, denunciava a opressão, sentia a indignação profética contra o mal e o combatia, mas não deixava que o ódio e o desejo de vingança a dominassem. O inimigo poderia tirar dela tudo, até a vida, mas não podia roubar sua integridade interior, firmada a partir de uma opção de amar e ser benevolente. No seu diário, ela explica como conseguia viver isso.
“Dentro de mim, há um poço muito profundo. Nem consigo ver o seu fundo. Às vezes, me parece coberto de pedras e lixo. E então, para mim, Deus está sepultado. Em alguns momentos, consigo desenterra-lo e posso até ajudar outras pessoas a desenterrá-lo em seus corações. Percebo que em uma situação como essa, ó Deus, tu não podes nos ajudar. Mas, nós podemos sim fazer muito por ti. Podemos ajudar-te a não te deixar sepultado em nós e a ser testemunhas do teu amor em uma realidade na qual todo amor é abolido e chacinado”.
Pouco antes de receber sua sentença de morte, Etty escreveu: “Amassei o meu corpo como se amassa um pão e o distribuí a homens que há muito estavam famintos de amor. Por que não?” Ela fez isso para salvar a Deus dentro das pessoas. Não me perguntem o que concretamente significam essas palavras porque não sei. O diário não explicita. Para nós, o importante é receber a sua lição de vida e de liberdade interior. É lembrar que Jesus tinha muita razão ao afirmar: “Quem se apega à sua vida acaba perdendo-a e quem aceita perdê-la a salvará” (Mt 10, 39).