O religioso, o social e o político
Nesses dias, a cúria da arquidiocese do Rio de Janeiro proibiu o uso da imagem do Cristo Redentor para uma equipe de cinema internacional que faz uma série sobre várias cidades do mundo e terá um filme sobre o Rio de Janeiro. A cúria afirmou ser proprietária do monumento do Cristo Redentor e considerou que o roteiro do filme poderia ser ofensivo à figura de Jesus Cristo. Sem querer entrar nessa polêmica, até porque não estou a par de todas as questões envolvidas, me coloco simplesmente do lado da pessoa comum que lê jornais e, de alguma forma, acompanha esse tipo de debate. É com esse público que converso e a ele proponho alguns critérios de julgamento do assunto.
Quem simplesmente vê nos jornais ou na televisão esse tipo de polêmica pode formar uma visão da Igreja Católica e de sua hierarquia que não é aquela que o papa Francisco propõe: a de uma Igreja “em saída”, em diálogo amigo com a humanidade. No diálogo a respeito de um assunto como esse, podemos ter claros alguns elementos:
1° – O Cristo Redentor, ou outra imagem qualquer do Cristo não pode ser confundida com a própria pessoa de Jesus. Ela é apenas uma representação. Quando alguém diz que um filme poderia ser ofensivo ao Cristo, sem dúvida, a ofensa não seria a uma imagem e sim à pessoa de Jesus. Essa forma de pensar parte do princípio que Jesus precisa ser defendido por detentores de sua imagem e que esses o protegem contra os descrentes. Conforme os evangelhos, Jesus fez o contrário. Conviveu com pecadores, gente de vida errada e descrentes. E testemunhou a Deus como um “pai que faz nascer o sol sobre pessoas boas e más e faz chover igualmente sobre justos e sobre injustos” (Mt 5, 45). Do mesmo modo, Paulo escreveu da prisão à comunidade cristã de Filipos: “Há pessoas que falam de Jesus por amor e há outras que o fazem por inveja ou com vontade de polemizar. (...) O que importa? De um modo ou do outro, Cristo é anunciado e disso me alegro e sempre me alegrarei” (Fl 1, 15 e 18). Parece que Paulo explicita aí um critério oposto a quem censura e proíbe que se fale do Cristo, por um temor de que ele possa ser ofendido.
2° – O Cristo não é propriedade exclusiva de nenhuma Igreja. Aliás, não é propriedade de ninguém. Dele são todas as Igrejas cristãs e nenhuma deveria se arvorar em ser dona de sua imagem, como uma grife comercial que, na sociedade capitalista, tem contrato de exclusividade. Proibir ou controlar o uso da imagem de Jesus dessa forma vai na direção oposta à decisão de Jesus de se inserir (encarnar-se) na realidade do mundo.
3° – O monumento do Cristo Redentor foi construído em uma época de atrelamento da Igreja Católica ao Estado. Como Luiz Alberto Gomez de Souza lembrou em um recente estudo, atualmente, o Brasil é um estado laico. Atualmente, o Cristo Redentor deveria ser tombado como monumento cultural da cidade do Rio e de todos os seus habitantes.
Quando uma iniciativa de um grupo eclesiástico fere esse espírito é a própria Igreja e todo o país que perde com isso.
Luiz Alberto liga esse incidente da imagem do Cristo Redentor com a campanha eleitoral que está começando. Se o panorama não mudar, a mistura entre religioso, social e político que criou tantos problemas nas eleições presidenciais passadas voltará com ainda mais força. Dessa vez, temos até um pastor pentecostal, candidato à presidência da República e cujo programa é defender o que ele chama de “princípios cristãos e a valorização da família”.