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Artigo semanal, segunda feira, 24 de setembro 2012

Descolonizar o imaginário

Esse é o título do encontro internacional que ocorreu, nesses dias, na bela Veneza, no norte da Itália. Esse congresso reúne várias organizações e movimentos sociais. Comumente, se fala em libertação dos colonialismos políticos e econômicos. Esse encontro chama a atenção para o desafio da descolonização cultural. Antigamente, as conquistas se faziam com exércitos e armas. Nos tempos atuais, o governo dos Estados Unidos é quase a única potência imperialista que continua com essa política clara de intervenção em outros países e imposição de sua forma de viver. Outros fazem isso, mas de forma mais velada. A forma mais comum, hoje, de imposição cultural e social é através da propaganda que legitime a conquista e, pela repetição exaustiva, faça a mentira parecer verdade. Normalmente, os instrumentos contemporâneos de colonização são mais sofisticados. Antes, o colonizador dominava a terra e o corpo dos colonizados. Agora, sabe que só consegue dominar o corpo de uma pessoa ou grupo social se antes aprisiona a sua alma. Em uma indústria multinacional de tênis, o gerente explicou aos vendedores: “Só teremos sucesso se não vendermos apenas tênis e sim sonhos”. Os meios de comunicação de massa são os instrumentos dessa espécie de hipnose coletiva que introjeta no coração das pessoas sonhos que os tiram de suas realidades concretas e os tornam manipuláveis e dóceis a interesses dos que dominam a sociedade. Um exemplo disso é a esperança de um dia ganhar na loteria. Nas nossas cidades, a cada semana, filas imensas de pessoas, presas a sonhos de consumo, jogam o seu dinheirinho pobre de cada dia para tentar o prêmio milionário.

Um sistema social e político que aprofunda desigualdades e perpetua injustiças não conseguiria firmar-se se não encontrasse formas de se legitimar através da publicidade e de uma ideologia que justamente coloniza o pensamento e o imaginário das pessoas. Nenhum povo consegue libertar-se totalmente se não rompe com essa colonização cultural. No âmbito político, muita gente se decepciona quando constata que políticos antes coerentes e consagrados à mudança social, quando conquistam o poder se embriagam com o prestígio e inauguram novas formas de coronelismo de esquerda, mas tão ou mais reacionárias do que as antigas consideradas de direita. Partidos antes de oposição ideológica, ao chegarem ao poder, trocam um projeto de nação por mera ambição de poder pessoal ou grupal. Descolonizar o imaginário é recuperar esse sentido crítico, retomar a esperança de mudanças estruturais e, na medida do possível, ensaiar o novo que desejamos para o país e para o mundo. O importante é que nosso protesto social e político não seja mais à direita do que o modelo vigente. Não podemos dar razão a uma elite arrogante que rejeita o modelo populista não porque deseja uma transformação social e sim para repetir o mesmo jogo da direita brutal que dominou o país por 500 anos.  É preciso ir além disso.

Aos cristãos, é bom recordar uma palavra de Paulo: “Não vos conformeis com esse mundo, mas procurai-o transformá-lo pela vossa inteligência” (Rm 12, 2).

Descolonizar o imaginário em uma cultura dominada pela idolatria do mercado e do consumo é optar pela sobriedade como estilo de vida. E uma sobriedade que atinja o nível econômico e social, nos permita corrigir e converter nossos desejos de modo que superem a concentração no próprio eu e nos leve aos outros. Paulo Freire dizia que a verdadeira educação se dá quando a pessoa consegue passar do estágio da competição para a colaboração. Quando Betinho, o grande profeta da justiça social, faleceu, alguém que queria descrever o seu modo de ser contou como uma anedota que ele tinha chegado ao céu e não tinha entrado. São Pedro abriu a porta e declarou:

- Você pode entrar.

Betinho respondeu:

- De modo algum, eu entro sozinho. Só me interessa entrar no céu, se a porta for aberta a todos sem nenhuma distinção. 

Por aí vemos que até a fé e a espiritualidade precisam ter também descolonizar o seu imaginário.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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