Felicidade não se compra
No Brasil, é o título de um bom filme de Frank Capra, produzido em 1946, com James Stewart e um elenco de famosos da Hollywood daquela época. De fato, felicidade não se compra e não pode ser medida por qualquer instrumento de precisão científica. Apesar disso, no Butão, país da Ásia que fica entre a China, a Índia e o Nepal, o rei instituiu um “índice de felicidade interna” para saber se os seus súditos eram felizes. A notícia se espalhou. Desde os anos 90, a ONU tem consciência de que não basta o índice do produto interno bruto (PIB) para detectar que tudo está bem. Até aqui usa o chamado Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), mais amplo do que um cálculo apenas da situação econômica. Agora, há indícios de que passe a olhar e buscar esses sinais pelos quais se vê que uma sociedade é mais ou menos feliz. No Brasil, a Fundação Getúlio Vargas decidiu que passará a calcular o índice de Felicidade Interna Bruta, algo bem mais amplo e profundo do que os elementos econômicos. Esses continuarão importantes, mas ao lado dos fatores ambientais, socioculturais e artísticos (Cf. O Estado de S. Paulo, 13/04/2012). Ainda não é claro o que significa “felicidade interna bruta de um povo”, nem como se fará esse cálculo. O que até aqui os analistas perceberam é que o fator econômico é importante, no sentido de assegurar a satisfação de necessidades básicas de cada pessoa e do povo, mas não é o elemento mais importante. É fundamental ver se a renda é distribuída de forma mais igualitária ou se se mantém altamente concentrada. Países de melhor distribuição de renda, onde não ninguém é riquíssimo e uma maioria vive na miséria (esses países existem, inclusive no nosso continente, por exemplo, Costa Rica e Cuba apresentam índices de maior igualdade, enquanto Haiti e Brasil são famosos em todo o mundo pelos piores índices de desigualdade). Povos que têm garantido o direito universal à alimentação, saúde e habitação também apresentam menos violência interna e melhores sinais de respeito aos direitos individuais. A democratização do acesso à educação, em todos os níveis, é fator importante no convívio social. As pesquisas também revelam que os povos que se deixam mais contaminar pelo individualismo (cada um por si) tendem a ser menos felizes e as sociedades mais comunitárias e gregárias expressam mais alegria e parecem ter mais resistência aos sofrimentos da vida. Uma política participativa e libertada da corrupção e da desonestidade é elemento de satisfação para o povo. Constituições cidadãs como as que foram em anos recentes aprovadas na Bolívia, no Equador e Venezuela, aprimoram essa participação de todos os cidadãos nas mais diversas instâncias da política e garantem o direito pessoal e coletivo das parcelas mais frágeis da população. As Constituições do Equador e da Bolívia chegam a dizer que o objetivo maior do Estado é garantir para todos o bom viver (sumak kwasay na língua quétchua ou sumak kamana em aymara). Esse é o espírito do bolivarianismo e emergente em todo o continente.
Um elemento imponderável mas sem dúvida essencial nesse caminho da felicidade é a abertura da sociedade ao mistério que nos ultrapassa. Para evoluir, o ser humano precisa desenvolver a sua consciência, elemento que o aproxima da verdade sobre si mesmo e sobre a vida. Mas, todos nós sabemos que essa consciência é aproximativa e nos dá a percepção de nossos limites. Quando essa percepção nos abre à vida em todas as suas dimensões e principalmente ao amor e à solidariedade, sentimos que esse aperfeiçoamento pessoal e comunitário nos leva a um sentido de elevação. Alguns chamam esse patamar de espiritualidade, visão amorosa do universo, dos outros e de nós mesmos. Essa espiritualidade pode ser alimentada em algum dos caminhos religiosos ou mesmo fora deles. O importante é que, como diz Caetano Veloso em uma canção: “Podemos ver o mundo juntos, sermos dois e sermos muitos, nos sabermos sós sem estarmos sós. Abrirmos a cabeça, para que afinal, floresça o mais que humano em nós” (Canção “Tá combinado”).