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Artigo semanal, terça feira, 21 de fevereiro 2012

Quarentena da vida

Quando astronautas voltam do espaço, se isolam em um tempo de observação de sua saúde, tanto para evitar alguma enfermidade desconhecida, como para impedir contágios aos outros. Quando há suspeitas de certas doenças perigosas, os médicos e secretarias de saúde exigem esse tempo que comumente se chama “quarentena”, porque, na maioria dos casos, são quarenta dias de observação e cuidados mais intensos. Quando vemos nossa sociedade hoje e os riscos que corremos, podemos pensar que, atualmente, toda sociedade precisaria de entrar em quarentena para rever seu caminho de vida e sua organização socioeconômica e política, assim como a cultura que está por trás dessas opções. Em algumas tradições, o costume da quarentena social tomou nomes e formas diferentes, de acordo com a espiritualidade que preside aquela expressão de fé. No Islã, cada ano tem o sagrado mês do Ramadã, retiro e jejum de um mês inteiro, ao qual todo muçulmano fiel se obriga. Nas antigas Igrejas cristãs, equivale ao tempo da Quaresma que se inicia nesta quarta-feira para a celebração anual da Páscoa. Durante séculos, a Quaresma tomou um aspecto de tempo pesado, no qual as pessoas jejuam, fazem penitência para pedir perdão dos seus pecados. Como se Deus precisasse disso para perdoar e ser generoso. Atualmente, a espiritualidade valoriza mais a necessidade de interioridade que todos nós sentimos. A Quaresma é a boa oportunidade para, no meio das correrias e dispersões que o cotidiano acarreta, reacendermos em nós o direito à profundidade da vida e nos dispormos a escutar e acolher melhor a nós mesmos, às outras pessoas e à natureza que nos cerca. Se fizermos isso, estaremos celebrando um salto qualitativo em nossa forma de ser e de viver. Esse termo “salto”, em hebraico antigo, se chama Páscoa e significa que o próprio Espírito Divino, mãe de ternura, faz conosco e em nós essa sua dança de renovação da vida em toda a sua intensidade. Isso não se faz porque nós cumprimos certas práticas de piedade ou nos sacrificamos. Deus não precisa disso. É amor e age em nós gratuitamente. O que precisamos é apenas nos abrir e nos tornar disponíveis à sua ação amorosa em nós. Isso sim nos leva a mudar de modo de pensar e de agir. É o que na linguagem da fé se chama “conversão de vida”. Chega ao ponto em que, como dizia São Paulo: “Já não sou eu que vivo. É o Cristo que vive em mim” (Gl 2).

Nas Igrejas, essa transformação interior é gratuita, mas tem como sinal a memória e celebração atualizada da morte e da ressurreição de Jesus. Ele deu esse passo ao se doar pelos irmãos e nos ensinar que, como diz Paulo: “Ninguém de nós vive para si mesmo e ninguém morre para si mesmo. Se vivemos ou se morremos, é para Deus que é Senhor da vida” (Rm 14, 7). Ele realiza em nós esse passo de fazer do viver, conviver e viver em função dos outros. Isso vale para quem é cristão, como para quem segue outra tradição espiritual ou mesmo quem não tem nenhuma pertença religiosa. É um processo de amadurecimento interior e de humanização que faz de nossa Páscoa, como passo transformador da vida, uma Páscoa permanente. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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