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Artigo semanal, terça feira, 23 de junho 2015

João Batista, na Bíblia e nas festas juninas

Nesses dias, em todo o Brasil, a cultura popular é tomada pelas festas juninas. São costumes pré-cristãos muito antigos que cultuavam a natureza na mudança de estação. Pouco a pouco, o Cristianismo adaptou essas festas e lhes deu um novo significado. As fogueiras, brincadeiras e cânticos tradicionais que, nos séculos antigos, representavam cultos à natureza passaram a ter como objetivo fazer memória do nascimento de São João Batista.

O povo que participa das festas juninas usam bandeira de São João menino e pouco sabem do que conta o evangelho. Mas, seja como for, através da fogueira, dos fogos e das brincadeiras, algo sinaliza o que  o evangelho revela: no meio da escuridão do mundo, João foi como uma fogueira que iluminou a presença da Luz. João não é a luz. É a testemunha da Luz (Evangelho de João 1, 8). É como uma lâmpada que faz brilhar a luz. A luz é Jesus. Mas, João é como uma lâmpada sem a qual a luz não brilha (Jo 5, 35). O evangelista João que, antes de ser discípulo de Jesus,  foi discípulo do Batista apresenta João Batista como testemunha do Verbo que é Jesus. Mateus, Marcos e Lucas preferem dizer que João foi o precursor do Cristo. Ao ler esses evangelhos, podemos descobrir, diz Jean Danielou, que assim como João foi precursor de Jesus na sua vida terrena, ele é também (João) precursor de Jesus para nós, em nosso caminho cristão. Isso significa que para a gente acolher plenamente o Evangelho de Jesus, a gente precisa primeiramente acolher o testemunho e a pregação de João nos pedindo conversão de vida e atenção a alguém que está presente em nossa vida e nós nem sempre o reconhecemos. Aliás, o próprio Jesus disse um dia aos escribas e doutores da lei: Se vocês não compreendem a missão de João Batista, também não poderão compreender a minha missão (Marcos 12). A missão de Jesus começa pela profecia de João. Jesus aceitou ser ele mesmo discípulo de João. E quando, segundo o evangelho de Mateus, João disse a Jesus: Eu é que devo ser batizado por você, como é que você vem a mim (como discípulo)? Jesus respondeu: É preciso que se realize toda a justiça, isso é, o projeto divino. Jesus para ser profeta reconhecido como profeta deveria ser visto como discípulo de João. Então, nós também que somos discípulos/as de Jesus precisamos aprender a ser, de alguma forma, discípulos/as de João Batista.

Uma das orações da festa de São João pede a Deus:  “Dê-nos a graça de acolher o testemunho de João, obedecer a sua pregação e viver a fidelidade de profeta que ele viveu até dar a vida pelo testemunho do teu reino e pela defesa do evangelho de Jesus”. 

Os grupos de novena e folia pressentem de alguma forma que o importante da narrativa do evangelho do nascimento de João é anunciar que começa no mundo um tempo novo. O útero da mulher estéril (Isabel) se torna fértil e o pai mudo (Zacarias) se põe a falar. São sinais de que o mal não é inevitável e sempre um milagre pode ocorrer. A esterilidade nossa e do mundo pode se tornar fecunda. Os que não têm voz podem ser profetas de um mundo novo possível.

Ao ressaltar que o rio Jordão atravessa uma região desértica e ao valorizar o batismo como mergulho em uma vida nova, João Batista nos convida a valorizar a água como sinal de vida. Podemos descobrir, mesmo na aridez, oásis de fertilidade e caminhos de vida nova. Em meio a todas as dificuldades, podemos mergulhar no divino (isso é, batizados/as) e ser testemunhas da ação divina de transformação do mundo.

Para a fé cristã, João Batista é principalmente o profeta que aponta o Cristo presente no mundo. João Batista e Jesus de Nazaré reuniram pessoas consideradas socialmente pecadoras e não os religiosos. Esses não os aceitaram. Como naquele tempo, até hoje existe um tipo de espiritualidade que situa as pessoas em uma espécie de elite sagrada. Esses grupos se impõem uma série de ideais e metas que tentam alcançar através de exercícios espirituais. Esse tipo de espiritualidade tem seu valor, mas, muitas vezes, acaba centrando as pessoas nelas mesmas e no objetivo que querem alcançar. A verdadeira espiritualidade nada tem de atletismo espiritual. É amorosidade e capacidade de conviver solidariamente com os outros. Além disso, formar gueto espiritual não ajuda ninguém a perceber o negativo presente em sua vida. A pessoa constrói sua vida espiritual como um edifício sem alicerce. A qualquer momento, aqueles elementos íntimos que são negados e escondidos, mas nem por isso deixam de existir, vêm à tona e passam a dominar. Ao pedir conversão, João Batista nos lembra que temos de assumir nossas negatividades e trabalhá-las, nos descobrindo frágeis e divididos, mas sempre objetos prediletos do carinho divino.

Atualmente, corremos o risco de transformar o mundo inteiro em deserto. Nesses dias, o papa Francisco publicou sua carta encíclica sobre a Ecologia e a nossa responsabilidade comum diante do ambiente. Ele nos convida a ser profetas como João e mostrar que a sociedade capitalista está transformando o mundo inteiro em um imenso deserto. No entanto, nós, cristãos, pessoas de outras tradições espirituais, junto com todas as pessoas de boa vontade, podemos aprimorar o cuidado amoroso com a natureza e todos os seres vivos. Esse cuidado deve se espalhar assim como o rio Jordão atravessa a aridez da Palestina. Temos também um deserto interior, um espaço de solidão e silêncio no qual precisamos entrar para acolher o divino e ser transformados por ele. Para nós também, João Batista continua a dizer: “No meio de vocês está alguém que vocês não conhecem e ele vai mergulhar a todos/as no Espírito de Amor”.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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