O Natal me parece uma daquelas caixas imensas que a gente ganha de presente. Abre a caixa e dentro tem outra caixa. Abre-a e encontra outra menor. E ao abri-la aparece ainda outra.... Quatro ou cinco ou mais caixas, uma dentro da outra. E se não vamos nos despojando da primeira, da segunda, da terceira e da quarta ou quinta casca, não chegamos ao verdadeiro presente do Natal. Os invólucros vazios são os do Natal do comércio, do Natal das comilanças e festas de empresas e o Natal que reúne famílias apenas para comer e beber. Ou trocar presentes que se avaliam pelo preço... E no final de tantos Natais que se esvaziam por si mesmos, o que encontramos no Natal que seria mais profundo, aquele que valeria a pena para mim e para você?
Talvez seja presunção julgar os modos mundanos de festejar Natal. Sem dúvida, para uma sociedade na qual as pessoas mal se cumprimentam quando se encontram na rua ou nas portas dos edifícios onde moram, quem sabe, seja bom e faça bem uma confraternização de Natal que as reúne uma vez ao ano, mesmo se não tem muita continuidade. Tudo o que nos leva a ser mais humanos vai na direção do espírito do Natal.
No entanto, como seria bom que esse Natal despertasse em nós um desejo maior e mais profundo. Na sexta-feira passada, percorrendo de carro, durante horas e horas, o sertão queimado e aparentemente vazio do semi-árido de Pernambuco, eu pensava no deserto dos poetas e místicos. Lembrava do deserto do Êxodo que se transformou de terra inóspita em espaço da gravidez da libertação do povo dos hebreus. E me veio à memória Saint-Exupery que afirmava: Em todo deserto, há sempre um poço escondido. E o coração humano anseia por esse poço que só se encontra no deserto. Precisamos ter a coragem de enfrentar a aridez, a solidão e a pobreza do deserto para encontrarmos o poço que nos saciará daquela água que quem beber, como disse Jesus, nunca mais terá sede. E alguém dizia: "A noite é amiga das pessoas que buscam a libertação".
É noite no mundo. Noite dentro e fora de nós. Durante a noite, tocam os tambores dos quilombos e terreiros entoando a esperança de um povo que canta sua esperança. Durante a noite, se encontram as células de resistência, os círculos de estudo de um novo mundo possível. Na mesma noite na qual os casais vivem a intimidade do amor, os revolucionários engravidam o mundo do sonho de libertação.. No meio da noite, vem a Palavra feito carne, a presença divina que se torna nossa companheira. É Natal. Em todos esses dias da novena, as comunidades cantam: Vem, ó Filho de Maria, vem, ó fonte de alegria, quanta espera, quando chega, quando chega aquele dia? Quanta espera, quando chega, quando chega aquele dia???