As faixas, pipas e bandeiras dos nossos domingos de Ramos
Conforme o quarto evangelho, durante sua vida de adulto, pelo menos três vezes, Jesus teria ido a Jerusalém para as festas importantes do ano. Nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), Jesus vai uma vez só e é para celebrar a sua Páscoa e dar a sua vida. Talvez por isso, os evangelhos tiveram de resumir em uma narrativa única fatos e momentos que podem ter ocorrido ao menos em dois momentos diferentes da história. O costume do povo levar ramos nas mãos e cantar textos do salmo 118 (Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor) faz parte dos costumes da festa das Tendas que se dá em setembro e não da Páscoa que se dá em abril. A festa das Tendas recorda a caminhada dos hebreus no deserto na esperança da libertação. É uma festa toda centrada na esperança messiânica, portanto, na perspectiva de que a libertação não tenha sido só do passado, mas haja uma libertação definitiva agora e sempre.
O evangelho de Lucas conta a entrada de Jesus em Jerusalém, (Lc 19) não apenas como a chegada de um peregrino qualquer que entrava na cidade pelo Monte das Oliveiras. Lucas dá à entrada de Jesus na cidade um tom simbólico e profético. Ele entra em Jerusalém como Messias e até com certos toques de rei. (Os discípulos dizem: Bendito o que vem como rei, em nome do Senhor).
Parece que a comunidade de Lucas é de um ambiente grego que não conhece mais os costumes judaicos da festa das Tendas. Por isso, quando conta a entrada de Jesus em Jerusalém, diferentemente de Marcos e Mateus, Lucas não alude mais aos ramos que aquela pequena multidão de peregrinos carregava nas mãos como era o costume da festa das Tendas. Esse evangelho se centra mais no fato de que o povo peregrino que entra na cidade com Jesus o aclama como Messias (Cristo) que vem realizar a esperança da libertação do povo. Os próprios gritos (Hosana significa Liberta-nos) dá à cena um conteúdo político que faz com que os sacerdotes e escribas fiquem com medo e peçam a Jesus para mandar o povo se calar; coisa que Jesus não faria nunca.
Atualmente, ninguém de nós quer sacralizar os movimentos e manifestações populares. As marchas, passeatas e manifestações em praça pública devem ser laicais, pluralistas e autônomas. No entanto, quando no domingo passado, em várias cidades do Brasil, os céus do centro de várias cidades brasileiras se enchiam de pipas com as palavras Lula Livree as ruas se enchiam de bandeiras e faixas de partidos e movimentos sociais, é essa energia de resistência e de esperança que nós, que cremos, reconhecemos ser inspirada pelo Espírito Divino de Amor e corresponder ao projeto sagrado de transformar o mundo em um espaço de comunhão libertadora.
Hoje, para as paróquias e dioceses, fazer a procissão de Ramos é fácil. É um símbolo que deixou de ser perigoso. Hoje, ninguém vai fazer como aqueles escribas que, com medo da repressão política, pediram a Jesus: manda os discípulos se calarem. Mas, precisamos levar Jesus à Jerusalém que, hoje, é a nossa cidade, com comunidades pobres, ameaçadas em seus direitos de moradia, com projetos urbanísticos pensados para a classe rica e sempre à custa do deslocamento e da marginalização dos mais pobres.
Alguns grupos cristãos compreendem que “levar Jesus à nossa cidade” significa levar a doutrina religiosa ou fazer culto para as pessoas de fora. Não parece ser essa a vontade de Jesus. Ele não centrou a fé em si mesmo. Quis ser testemunha do reino de Deus. Concretamente, isso significa trazer para os que estão sofrendo a solidariedade efetiva que testemunha Deus está com vocês e para ajudá-los a vencer as lutas da vida.
Na realidade de hoje, levar Jesus a nossas cidades é testemunhar às pessoas de que é possível conviver como irmãos e irmãs, sem competição e sem medo uns dos outros. É organizar a vida na cidade, de forma que todos os seus moradores tenham consciência de cidadania e tenham seus direitos reconhecidos.
Nesse ano, a CNBB nos convida a atualizar nossa Quaresma com a Campanha da Fraternidade sobre a necessidade de implementar e aprofundar Políticas Públicas de qualidade. Integrar essa preocupação no coração da nossa fé é fazer dessa Páscoa um testemunho de solidariedade humana e que realmente colabore com a transformação do mundo.