Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

As guerras secretas

                "The Post: A guerra secreta" está em todo o Brasil, no circuito comercial dos cinemas. É o novo filme de Steven Spielberg e merece ser apreciado e discutido. Spielberg não somente nos deu a delícia de um filme como ET, ou a ficção "científica" do Parque dos Dinossauros (que para manter o suspense de aventura acabou gerando uma série de filmes mais de monstros devoradores de pessoas do que aquilo a que se propunha no início: desvendar as fronteiras da pesquisa sobre as eras primevas da Terra). Ele nos deu também a Lista de Schillinder sobre o Nazismo, Amistad sobre a crueldade da escravidão e do racismo. E outros filmes belos, embora sempre comercialmente conservadores, ligados ao grande cinemão. The Post: A guerra secreta também não escapa disso. 

                 O filme retrata a história real (embora romanceada) do jornal Washington Post quando, no final dos anos 60 antes ainda do escândalo de Watergate (que provocou o impedimento do presidente Nixon), tinha de decidir se publicava ou não documentos secretos do governo sobre a guerra do Vietnam. O filme se centra em duas figuras: Katharine Graham é herdeira do dono do jornal. Maravilhosamente retratada por Meryl Streep, ela cuida dos interesses econômicos do jornal e por isso tem excelentes relações com o governo (do Nixon). Ben Bradle é o editor do jornal e representa a imprensa que quer furos de reportagens e ganhar sobre os outros concorrentes. Por trás disso há a figura do Robert Mc Camara que tinha sido secretário de defesa - senhor da guerra e que decidira enviar milhares de jovens norte-americanos para a morte certa e mergulhar o país em uma guerra de anos, apenas para manter a moral do império e não reconhecer que o governo havia errado em sua apreciação dos fatos. É claro que mesmo essa análise tão cínica só ligava para a vida dos jovens norteamericanos. Os vietnamitas que tiveram suas aldeias incendiadas, o povo todo, inclusive mulheres e crianças violentadas e o país destruído, não importavam em nada.... 

                  O filme é um relato conservador e estreito. Nos Estados Unidos, governado por Trump que tem ódio à imprensa e que nesses dias resolveu reabrir a prisão ou campo de concentração de Guatânamo em Cuba, todos, tanto democratas, como conservadores, apreciam o filme. (Isso não é um bom sinal). De fato, o filme como filme é uma obra de arte e uma aula de cinema, muito bem fotografado e quase coreografado. Mas, a reflexão que ele gera em mim é como tem razão Hannah Arendt quando fala na banalidade do mal. Eichmann mandou seis milhões de pessoas para a morte não porque ele os odiasse, nem tivesse qualquer problema psíquico. Era um bom pai de família e um funcionário exemplar. Tão exemplar que cumpria ordens sem se preocupar se as ordens eram justas ou injustas, humanas ou monstruosas. Ele não precisava pensar. 

                     Tenho a impressão de viver hoje em um país assim. As pessoas se deixam conduzir pela Globo, Band, pela Folha e pela Veja. E pronto. Não se sentem responsáveis pelo fato de que cinco pessoas ou famílias no Brasil tenham uma renda equivalente à metade pobre da população brasileira (quase 110 milhões). Os juristas do mundo todo estão denunciando a iniquidade do sistema judiciário brasileiro e o povo está acreditando nele. Não sei se haverá documentos secretos dos complôs e tramoias que uniram juízes e promotores no julgamento do dia 24, mas isso tudo é dedo de uma mão e de um organismo maior. E as consequências disso são muito mais amplas do que se a pessoa é favorável a Lula ou não. A guerra que podia ainda ser meio secreta e agora ficou escancarada no Brasil não opõe imprensa e governo (como era o caso dos anos 60 nos EUA). Opõe elite e povo. Do lado da elite que quer voltar ao Brasil do tempo da colônia e do sistema escravagista, estão os que dominam os três poderes da República (com exceções honrosas de alguns poucos sobreviventes que ainda se mantêm ali) e quase toda a imprensa e meios de comunicação, assim como grande parte da intelectualidade brasileira. Do lado do povo, os movimentos sociais, pastorais sociais de Igrejas históricas e .... Deus. Por isso, podemos ter esperança e continuar a nossa luta não violenta por justiça, paz e outro paradigma de civilização. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações