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As nossas transfigurações de cada dia

Hoje, daqui do sul de Minas Gerais, Varginha, onde estou assessorando um encontro de leigos sobre fé e política - encontro de espiritualidade libertadora - partilho com vocês a meditação que escrevi sobre o evangelho desse domingo no livro "Conversa com o evangelho de Mateus". Ali converso sobre esse texto com dois jovens amigos, Cladilson Nardino e Jonathan Félix: 

Tanto os grupos de Marcos e Lucas, como a comunidade de Mateus colocam o relato do que se costumou chamar a “transfiguração” (em grego metamorfosis) de Jesus, quase imediatamente após a cena de Cesaréia. Assim como os evangelhos ligam o batismo à tentação no deserto, ligam também a confissão de Pedro com essa narração da manifestação da glória de Deus na pessoa humana de Jesus. O texto salienta que isso se deu “seis dias depois”. Assim, liga um acontecimento ao outro, embora essa referência a seis dias depois também possa conter uma alusão a Moisés que foi chamado por Deus a  subir novamente (seis dias depois) o monte Sinai. O texto do Êxodo diz: “A glória do Senhor (IHVH) pousou sobre o monte e a nuvem o cobriu durante seis dias. No sétimo dia, o Senhor chamou Moisés do meio da nuvem” (Ex 24, 16). Só que agora, com Jesus, a glória de Deus se manifesta seis dias depois em que Jesus revelou a seus discípulos o que lhe aconteceria em Jerusalém.

Alguns estudiosos acham que Mateus conta o anúncio da paixão e a repreensão feita a Pedro como se ela tivesse acontecido no Dia do Perdão (Yom Kippur), festa judaica prevista na lei (Lv 23, 27- 33). Nesse caso, compreender-se-ia o “seis dias depois” como alusão à Festa das Tendas (Sukkot). Assim, a alusão às tendas e o clima de esperança que a narrativa contém se situam bem melhor nesse clima da festa das Tendas.

 Cladilson: - Independentemente se isso é real ou não, essa relação é bonita e nos ajuda a compreender o sentido desse episódio.

 Marcelo: - A transfiguração (o texto grego chama de “metamorfose”) só tem seu sentido completo após à ressurreição, ou à luz desta fé. É uma experiência mística de três discípulos que Jesus escolhe para compartilhar da sua intimidade com o Pai. A transfiguração é uma visão que os discípulos têm. Eles é que são chamados a transformar (metamorfosear) a sua visão sobre Jesus.

Jesus aparece na montanha como refazendo a relação com Moisés e Elias (a lei e os profetas) e refazendo junto com os discípulos a experiência do Êxodo no qual o Senhor Deus descia sobre a tenda e Moisés ficava com o rosto tão luminoso que o povo não podia olhar (Cf. Ex 34, 29). O modo como a Bíblia gosta de contar as manifestações do Senhor (aparece uma luz forte e uma nuvem densa) acontecem agora sobre Jesus. E, como no batismo, os discípulos escutam a palavra de Deus: “Este é o meu Filho amado. Escutem-no!”.

 Jonathan: - Então, a cena começa centrada em Jesus, mas acaba revelando um jeito de ser de Deus. Ele é Pai e aproxima-se de nós como amigo. O centro dessa passagem é a palavra de Deus: “Este é o meu Filho muito amado, no qual coloco todo o meu agrado, todo o meu prazer. Escutem-no”.

Marcelo: - Essa palavra é praticamente a mesma dita por Deus ao profeta a respeito do Servo Sofredor de Deus (Cf. Is 42, 1ss). Ora, no caso do Servo Sofredor, Deus escolhe um escravo na Babilônia, símbolo e figura de todo o Israel reduzido à escravidão para dizer que será essa pessoa – o instrumento da libertação do povo e o mediador de uma nova aliança entre Deus e a humanidade. O servo sofredor será luz para todas as nações (Is 42, 1- 7; 49, 1- 6, etc). Aplicar essa mesma palavra dita a Israel, servo de Deus na Babilônia, a Jesus nessa hora (nesse contexto do evangelho) é da parte de Deus a confirmação da vocação de Jesus de ser filho amado de Deus, justamente pela doação de sua vida e pela sua solidariedade aos deserdados do mundo, que em sua época, e em todas as épocas do mundo, constituem um povo de crucificados.

Na Transfiguração de Jesus, o Pai revela sua presença (sua glória) na pessoa de Jesus que marcha para Jerusalém, para a cruz. Não porque o Pai queira que seu Filho morra ou queira legitimar ou santificar a cruz – seria um Deus masoquista ou sádico, cruel – mas porque, sendo que os impérios do mundo provocam cruz e morte, Deus acompanha e confirma o testemunho do seu Filho e revela que está com ele até a cruz.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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