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As ressurreições nossas de cada dia

Nesse domingo, o 5o da Quaresma, desde tempos antigos, a Igreja costuma ler mais um dos grandes evangelhos catecumenais. No 3o domingo, era a conversa de Jesus com a mulher samaritana (Jo 4) no 4o domingo, era a cura do cego de nascença (Jo 9). Agora é a história de como Jesus tirou Lázaro do túmulo. Três relatos simbólicos que no final do século I, a comunidade do quarto evangelho contou para responder a questões da sua comunidade (quais não podemos saber com certeza) e que nos séculos antigos a Igreja usou para formar os adultos que na Páscoa iriam se comprometer com a comunidade pelo batismo. No terceiro domingo,  os que se tornariam cristãos deveriam aprender a ir além da sua comunidade natural, da sua aldeia. Ir à Samaria de cada tempo. Sair do seu mundinho. No domingo seguinte, tiveram de aprender que deviam sair do mundo religioso que aprisiona. Como o cego para ser plenamente curado teve de sair da sinagoga fechada em seus preconceitos. Hoje, essa sinagoga pode ser qualquer Igreja ou religião presa à institucionalidade e a seus dogmas, E pouco aberta à vida e às pessoas. Nesse domingo, damos um passo a mais e o chamado de Jesus é como sempre sair. Já vimos que temos de sair do nosso mundinho cultural (A Samaria), da nossa religião institucional que se basta a si mesma. Agora temos de sair dos nossos túmulos. Aliás a primeira leitura de Ezequiel promete isso: vos farei sair de vossos túmulos. 

No século IV, Gregório, bispo de Nissa, dizia: Nós vivemos uma vida morta. Jesus nos chama para viver uma vida viva.  Se Lázaro, Marta e Maria, os três irmãos, representam grupos ou tendências da comunidade joanina do final do primeiro século, hoje, representam ainda tendências que nós vivemos, seja em espiritualizar a fé e crer na ressurreição no último dia, como Marta, seja quando ao contrário, esperamos de Jesus uma espécie de intervenção na realidade social e humana de cada dia, como Maria. Ou simplesmente estamos como Lázaro, preso em nossos sepulcros - sepulcros que a sociedade ou nós mesmos nos criamos... Situações pessoais e sociais para as quais parece não haver saída e que nós acabamos por nos conformar. 

Na literatura mundial, ainda no século XIX, Dostoievski, em seu grande romance "Crime e Castigo" (1866) nos mostra  um casal que se ama mas não parece ter condições de levar uma vida normal a dois. Ele (Raskolnikov) havia matado uma pessoa e deveria pagar pelo seu crime. Ela (Sonia) tinha um passado problemático. E ela o aconselha a confessar seu crime e pagar pelo que fez. Mas,  em uma cena memorável, de repente, ela lhe diz como se recordasse o evangelho que havia ouvido na Igreja: "Mas, Lázaro estava já no túmulo. Havia quatro dias tinha morrido e Jesus lhe disse: Lázaro, vem para fora! Por que não pode dizer a nós dois essa palavra libertadora?"

  Preparar-nos para celebrar essa Páscoa é agora sabermos ouvir de Jesus a tradução atual dessa palavra para nós: Vem para fora! Para fora de que túmulos em que nos fechamos? Para que ressurreição dessa vez... Que essa nova Páscoa nos faça viver de ressurreição em ressurreição e possa nos animar uns aos outros a vivermos nossas pequenas e grandes ressurreições de cada dia... Amém. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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