As Igrejas antigas começam a Quaresma com o evangelho da tentação de Jesus no deserto (Mt 4, 1- 11). É importante reler essa narrativa simbólica à luz do que está acontecendo com o Brasil e o mundo. Os evangelhos insistem que foi o Espírito que empurrou Jesus (um dos evangelhos chega a dizer que o Espírito de Deus o forçou a ir ao deserto e para ser tentado. É estranho isso mas muito importante. O Espírito leva Jesus e leva a nós para enfrentarmos nossos combates e tomarmos nossas decisões.
A tradição judaica chama de Diabo ou Satanás "o outro lado". A outra possibilidade das coisas. Nunca há uma só. Mas, existe aquela que é a que se afina ao projeto de Deus para nós e para o mundo. As tentações não dizem respeito à provas como alguém que tem de se submeter a um concurso para ver se passa e menos ainda querem dizer a escolha entre o bem e o mal. Para Jesus e para nós é muito mais a decisão de como realizar o nosso projeto de vida. O evangelho diz que Jesus escolheu um modo: o serviço humilde, o esvaziamento de si mesmo e o caminho do anti-poder.
No século XIX, Dostoievski contou a Lenda do Grande Inquisidor. Nela, Jesus volta ao mundo no século XVI e em Servilha. É preso pela inquisição e levado ao tribunal da Igreja. Ali o arcebispo lhe diz: O que você veio fazer aqui agora? Veio nos atrapalhar. Tudo está muito bem e não precisamos de você.... No deserto, era o outro que tinha razão e nós decidimos seguir a proposta dele.
É o que até hoje uma Igreja, uma comunidade, um padre ou bispo ou leigo que opta pelo poder faz. Que o Espírito nos dê força para optarmos pelo caminho de Jesus e não pelo caminho do outro lado...