Marcelo Barros
Neste domingo,
no Brasil, a Igreja Católica celebra a Assunção
de Maria, mãe de Jesus. As Igrejas
orientais falam da “dormição”, ou seja, a passagem de Maria, pela qual ela foi associada
à Páscoa do seu filho Jesus. A tradição católica, tornada dogma pelo papa Pio
XII, diz que ela subiu ao céu em corpo e alma. Além de saber que os antigos
imaginavam o céu como um lugar em cima da terra, mas isso é apenas uma imagem
figurativa, ainda se torna mais difícil explicar como alguém pode ir para o céu
com corpo e alma. De todo modo, essa crença, por não ser bíblica, não é
ecumênica. O que podemos fazer é ir além da linguagem tradicional e descobrir que
mensagem nova e atual essa festa da
páscoa de Maria pode trazer para nós.
Na
espiritualidade popular, os vários títulos dados a Maria, mãe de Jesus são
símbolos que continuam a antiga devoção indígena à Mãe Terra. Justamente nos
Andes, as festas a Pachamama ocorrem neste tempo de agosto em que a terra
repousa – como Maria – Precisamos sim celebrar o levante, a assunção da Terra e
a nossa assunção com a Terra e com Maria, como símbolo da humanidade renovada.
De fato o que
celebramos hoje é uma realidade que não é só privilégio de Maria. Diz respeito
a todos nós, porque hoje contemplamos na figura de Maria a participação de
todos/todas nós na ressurreição de Jesus. No lugar de ficar nos perguntando
como pode se pensar em uma assunção corporal no sentido da subida de um corpo
ao céu, descobrimos que se trata de ver no corpo o templo divino e que a
salvação diz respeito à integridade da pessoa e não apenas à sua alma. Queremos
sim que a ressurreição de Jesus resgate os nossos corpos. Que sejamos tocados
em nossos corpos pela energia da ressurreição de Jesus.
Para algumas das
antigas espiritualidades orientais (hinduístas), a alma individual mergulha na
alma cósmica como um peixe mergulha no mar. Então, podemos contemplar como
ocorrido em Maria na sua assunção aquilo que é destino e vocação de todos/as
nós. E essa participação na ressurreição de Jesus ou, como dizem os orientais,
“divinização” do nosso ser não acontece apenas no momento da morte. É um
processo de toda a vida.
O evangelho
escolhido e lido nas Igrejas nesses dias (Lucas 1, 39 – 56 – o relato da visita
de Maria grávida a Isabel) conta que Maria subiu de Nazaré na Galileia a uma
aldeia na montanha da Judeia para servir a Isabel, sua prima anciã que tinha engravidado.
Essa subida de Maria à montanha para servir a Isabel nos recorda de que, quando
nos dispomos a servir, sempre nos elevamos. Sempre subimos. E isso é um processo
pessoal e coletivo.
Nos meados do
século XX, o padre Theillard de Chardin, paleontólogo e espiritual, afirmava
que todo o universo evolui e nessa evolução converge, caminha para a unidade.
Nós, humanos/as, somos chamados/as a passar da biosfera para noosfera (a esfera
da interiorização). É desse modo que participamos da evolução e convergência do
universo. E essa convergência é na linha da
cristificação para Deus. Como escreve Paulo aos coríntios: “até que
Cristo seja tudo em todos”.
Uma visão
evangélica desse processo é na linha da transformação progressiva do nosso ser.
Na carta aos romanos, Paulo escreve: “A
criação inteira sofre como em dores de parto e mesmo nós que temos as primícias
do Espírito gememos dentro de nós mesmos esperando a libertação do nosso corpo”
(Rm 8, 22- 23). É bela essa imagem do parto da criação e parto permanente de
cada um/uma de nós. Jesus também usou essa imagem, quando, na ceia, afirmou aos
discípulos: “A mulher quando está para
dar a luz sofre porque vê chegada a sua hora, mas na hora em que a criança
nasce se alegra porque pôs no mundo uma vida nova” (Jo 16, 22).
Vivemos continuamente
nesse parto de ressurreição pessoal e comunitária, coletiva e até cósmica. É
disso que se trata. Nem mais nem menos. E esse processo de evolução ou de
amadurecimento interior toma inclusive formas também no corpo e em todo o
estilo de vida (não é somente algo no íntimo de cada pessoa). Esse processo é o
desafio de todos os processos revolucionários. Como já dizia Che Guevara: Sem homem novo (renovado), não há
sociedade nova”.
Quem lida nos
ambientes políticos com as ambições pessoais e as rivalidades de cada dia mesmo
em grupos de espiritualidade libertadora
sabe que isso é um empecilho sério para qualquer caminho mais profundo de
mudanças no mundo. Por isso, é tão importante aprofundar a questão de uma
espiritualidade laical, humana e que dê dignidade e garanta Ética e coerência
de posturas tanto no plano social, como no nível interior e pessoal à Política.
Neste momento
que vivemos, assim como a mulher, que aparece no Apocalipse 12, símbolo da
humanidade renovada, teve de se refugiar no deserto para não morrer, vivemos em
tempo de deserto, duro e exigente. O Capitalismo, verdadeiro dragão dos nossos
dias, procura devorar tudo o que vê pela frente, inclusive a água e a própria
vida. A tragédia pior que nos atinge é a crise ecológica.
Celebrar a
vitória de Maria, mãe de Jesus é um jeito de dizer que nossa luta social,
política, ecológica e espiritual começa a ser vitoriosa. Cantar hoje o cântico
de Maria pode parecer utópico e irreal, mas cantamos como se já estivéssemos
vendo acontecer algo da utopia que estamos ainda preparando. Cremos e contemplamos
que começa a acontecer em nós e nas nossas comunidades as sementes deste
processo. Por isso, nos comprometemos e vamos ensaiando esse projeto no nosso
dia a dia.