A maioria das religiões mantém o costume de fazer peregrinações. Os muçulmanos vão a Meca e os hinduístas às nascentes do rio Ganges. Os cristãos de tradição católica vão a Jerusalém, a Santiago de Compostela ou a santuários de peregrinação, espalhados por todo o mundo. No Brasil, em julho acontecem diversas romarias e peregrinações populares. Nesse primeiro domingo do mês, em Trindade, GO, encerrou-se a festa do Divino Pai Eterno. De todo o Centro-oeste, milhares de romeiros vieram ao santuário, enquanto no sertão da Bahia, nos meados de julho, a cada ano, a romaria do Bom Jesus da Lapa recebe um número sempre maior de romeiros. São pessoas de todas as classes sociais e das mais diversas culturas, vindas do campo e das cidades.
Em
uma cultura secularizada e crítica, há quem considere a peregrinação e outras
devoções coletivas como superadas. Alguns círculos espirituais distinguem dois
tipos de espiritualidade. A exotérica
se chama assim porque é voltada para fora e consiste em práticas externas como
peregrinações, cultos e costumes formais. A esse modelo, se costuma contrapor a
espiritualidade esotérica, centrada
nas meditações e práticas interiores e subjetivas. Uma das críticas, comumente
feitas ao Cristianismo, é a de ter desenvolvido mais a dimensão exotérica e
insistir menos na contemplação e centração interior. Sem dúvida, desde os
tempos bíblicos, profetas como Jeremias insistiam que “a verdadeira circuncisão
é a do coração”. O salmo 51 retoma que Deus se agrada da conversão do coração e
da renovação interior e não de cultos externos. Nessa linha, hoje, por todo o
mundo, se espalha a prática da meditação cristã. Em geral, se trata da simples
repetição do nome de Jesus para aquietar o coração na paz divina.
Seja
como for, a espiritualidade esotérica não substitui ou abole a dimensão externa
da fé. Essa exerce a função de método para nos ajudar a sair de nós mesmos e
viver a intimidade divina, não como algo privado e intimista, mas como caminho
de comunhão com as outras pessoas que têm a mesma busca. A sociedade
capitalista estimula os religiosos a priaceitarem privatizar a sua fé,
adaptando-a à cultura individualista na qual cada qual vive o seu caminho sem
se preocupar com o outro. Ao contrário, quem segue o caminho bíblico sabe que
Deus se revela a mim no outro e se revela ao outro em mim. Eu preciso do outro
e da comunidade para viver a intimidade com Deus. No evangelho, Jesus havia
dito: “Onde dois ou três pessoas se reúnem no meu nome, Eu estarei no meio
delas” (Mt 18, 18- 20).
Já
em 1965, Dom Hélder Câmara, então arcebispo de Recife, escreveu: “Quando me perguntam pelas viagens que faço
a países distantes deixando a entender que peregrinações assim não estão ao
alcance de qualquer pessoa, eu gostaria de ter o dom maravilhoso de convencer
que viagem alguma se compara, nem de leve, a caminhar, noite e dia, como todos
podemos fazer, dentro de Ti, Senhor. Pena que, neste mundo, o mais comum seja
viajar de olhos vendados”.
Essa
meditação poética é um convite para assumirmos nossa peregrinação interior de
cada dia, caminhada que é íntima e, ao mesmo tempo, comunitária: avançar de
olhos e corações abertos no caminho do amor.