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Caminhos de reconciliação e reconstrução da comunhão

XXIII Domingo Comum:  Mt 18, 15- 20. 

                                                           Caminhos de reconciliação para uma humanidade dividida

               Neste XXIII domingo comum do ano, escutamos o evangelho de Mateus 18, 15- 20, texto central no discurso de Jesus sobre como deve ser a comunidade dos seus discípulos e discípulas. É incrível que o discurso de Jesus sobre a comunidade comece nos advertindo sobre a tentação do poder.  O testemunho do reinado divino no mundo só pode ser feito a partir do caminho do anti-poder. Quem continua atraído/a pelo poder, mesmo pelo poder religioso e eclesiástico, ignora o evangelho de Jesus. A comunidade cristã tem de ser ensaio de uma inversão de valores do mundo. Jesus adverte: só se entra no discipulado dele pela identificação com os pequenos do mundo. Ele nos chama a sermos, nós mesmos/as, não apenas pessoas simples e consideradas pequenas diante da sociedade, como discípulas dos pequeninos do mundo. Para isso, nesse texto, ele nos ensina como viver entre nós a correção fraterna e a comunhão como sinal e sacramento da presença divina no mundo. 

   Em qualquer grupo é comum e normal surgirem conflitos. Como solução para os conflitos internos na comunidade, Jesus propõe a busca contínua e teimosa da reconciliação. Talvez, o normal fosse pedir à pessoa que provocou o conflito que procurasse se reconciliar. No entanto, Jesus radicaliza. Ele pede a iniciativa de ir atrás do outro não à pessoa que provocou o conflito, mas à própria pessoa que sofreu e se considera vítima da ofensa. Antes, no mesmo discurso, ele tinha falado do pastor que deixa as 99 ovelhas no aprisco e vai atrás da que está perdida. Jesus não separa uma coisa da outra. Embora ele saiba que, em geral, como diz o povo, “dois não brigam quando um não quer”, parte do princípio que o/a outro/a seja o/a culpado/a. Conforme o senso comum, se quem pecou foi ele ou ela, deveria ser ele ou ela a procurar pedir perdão e se reconciliar. Mas, Jesus subverte o senso comum e a ordem que dá não é para a pessoa culpada. É para a vítima: “vá e procure o seu irmão ou irmã”. Desde o começo, ele que opta pelo mais fraco e mais pobre, aqui também opta pela pessoa que errou. 

Nada da tendência de pensar as relações sociais e coletivas de uma forma e a relação interpessoal de outra. O espírito é o mesmo. Para Jesus, o pecado não é contra Deus. É contra o irmão. Quem quer viver na comunidade de discípulos e discípulas de Jesus nunca pode se negar ao diálogo pessoal e sempre tem de se preocupar em se reconciliar com algum irmão ou irmã com o qual surge um problema. É importante Jesus dizer: “Se seu irmão ou sua irmã pecar contra ti, vá e tome a iniciativa do diálogo. Não é fácil e é comum que a gente pense: será que adianta? E aí Jesus aponta três níveis de ação, ou três etapas de solução: 1- o diálogo a dois. 

2 - Se esta etapa não solucionar, procure duas ou três pessoas que possam ajudar. 

3 - Se mesmo assim, não funcionar, tente o diálogo em comunidade. 

 

Infelizmente, é muito comum que mesmo as comunidades mais evangélicas têm grande dificuldade de viver o que esse evangelho propõe. De fato, não se pode dialogar, sem que as duas partes queiram e acreditem nesse caminho. Jesus pede uma ética nova na relação entre irmãos e entre irmãs. É importante criar uma ética comunitária sobre o que se pode e o que não se deve dizer uns dos outros. Essa regra que Jesus propõe sobre o diálogo e a reconciliação vem da lei judaica (Dv 19, 17 e Deut 19, 15). 

Os antigos rabinos já insistiam: se tiver alguma queixa contra o outro, vá e fale com a própria pessoa. É antiético e contra a espiritualidade qualquer conversa por trás que pode gerar fofoca e murmuração. Muitas vezes, as pessoas e mesmo grupos trabalham por direitos humanos e por justiça no plano social,  mas descuidam totalmente da Ética na relação dentro de casa e no modo de lidar com os conflitos pessoais. A Ética do diálogo e da veracidade que respeita a outra pessoa é atual e sempre necessária.

 A comunidade de Mateus sabe por experiência que às vezes nem o diálogo em comunidade resolve. A pessoa responsável pelo problema não aceita se rever e mudar de posição. No evangelho, Jesus diz duas coisas: 

1º - ele assume a posição da comunidade (tudo o que ligares na terra será ligado no céu). 

2º - ele diz que se a pessoa não escuta a comunidade, seja para ti como um pagão ou publicano. 

Na história da Igreja, muitas vezes essa palavra foi compreendida como se Jesus estivesse justificando exclusões e excomunhões. De fato, o que ele diz: Se a pessoa não escutar a comunidade, já não é mais responsabilidade sua. Você tentou tudo. Não conseguiu. Sinta-se liberado. É só isso. Não é nenhuma condenação à pessoa renitente. A opção de Jesus pelo pequeno e pelo pecador nem aí cede ou capitula. 

Ao contrário, Jesus deixa claro que o diálogo e a reconciliação são condições indispensáveis para a oração (ele já tinha dito isso no discurso da montanha – Mt 5, 24). Se dois ou três de vocês se colocarem de acordo para pedir ao Pai alguma coisa em meu nome, eles lhes dará... Temos de primeiramente nos colocar de acordo através do diálogo e da reconciliação e temos de poder falar em nome de Jesus – saber que aquilo que pedimos, de fato, Jesus aceita pedir conosco ao Pai. E aí sim vem a promessa: “Onde duas ou três pessoas se reunirem em meu nome, Eu estou no meio delas”. 


Atualmente, existe no mundo e entre nós uma cultura de intolerância (ou chamam Tolerância Zero). Jesus nos chama à radicalidade (radical vem de raiz: ir às raízes dos problemas), mas não à inflexibilidade, rigidez e fundamentalismo de nenhum tipo ou matiz. Devemos ser intransigentes na defesa do direito e da justiça, na luta contra a xenofobia, a exclusão social, o racismo e a homofobia. Defendemos até o fim o direito dos povos originários a seus territórios e culturas. E Jesus nos chama a viver essa luta, sem que nunca nos deixemos desumanizar pelo inimigo. 

 No Brasil atual, temos de retomar a possibilidade do diálogo entre os diferentes que nos tempos mais recentes, a extrema-direita praticamente impossibilitou. Por mais difícil que seja, é fundamental que tentemos isso sem desanimar. Não se trata de abrir mão de nossas convicções fundamentais, nem de querer cooptar o outro para nossas posições. Trata-se antes de tudo de distinguir adversários e inimigos. Com adversários, podemos conseguir alianças e acordos. Com os inimigos, em geral, não. Além disso, com todos manteremos uma atitude que reconhece a humanidade deles e não os desumanize, mesmo se eles dao esse testemunho de desumanização. Em um campo de concentração nazista, Etty Hillesum, moça judia de 28 anos, afirmava: Nossos opressores podem tirar tudo de nós, podem nos roubar até a vida. Só não conseguem roubar nossa dignidade e sensibilidade de pessoas humanas”. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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