14 de setembro:
Esta festa é fruto do Cristianismo imperial antigo. Surgiu para celebrar a consagração de duas basílicas que, conforme a tradição, o imperador Constantino teria mandado erguer, nos lugares identificados como tendo sido o da crucifixão de Jesus e do seu túmulo vazio. A partir do século VII da era cristã, essa celebração passou para Roma e para todo o mundo ocidental.
Desde a idade média, a Cruz se tornou o símbolo do Cristianismo. No entanto, a Cruz foi usada não tanto para significar a solidariedade e o amor incondicional de Jesus e de quem a usa aos pequeninos e vítimas do mundo e, mas, ao contrário, para legitimar conquistas, cruzadas, guerras e opressões violentas e para estimular a resignação diante dos sofrimentos. A cruz de Jesus brilhou nas bandeiras dos cruzados, que se sentiam no direito de matar em nome de Deus e foram matar muçulmanos na Palestina. Quem disse que os cruzados eram mais humanos que os muçulmanos? No século XIII, com a cruz nas mãos, católicos perseguiram e mataram cristãos considerados hereges na França e na Itália. A cruz esteve em tribunais que condenavam à fogueira dissidentes e as mulheres, consideradas bruxas, porque tentavam ser livres do poder eclesiástico.
Nos tempos da 2ª guerra quase mundial, o regime nazista usou a cruz suástica como símbolo de seu poder. Com essa cruz assassinou milhões de pessoas, por serem judias, ou por serem homossexuais, ciganas ou comunistas. Desde séculos, a cruz de Jesus estava nas salas e nos oratórios das casas grandes e fazendas que mantinham pessoas escravizadas. Ainda em nossos dias, a cruz está na parede de palácios e auditórios do Congresso Nacional que se reúnem para planejar como explorar o povo, e em tribunais que muitas vezes julgam de forma injusta. Cruzes de ouro e de prata servem de enfeite no pescoço de gente rica e insensível aos sofrimentos da classe empobrecida.
Desde tempos antigos, a Igreja usa o sinal da cruz para começar orações e para iniciar reuniões que nem sempre se pautam pelo cuidado evangélico do amor, do perdão e da entrega da vida. Em geral, algumas Igrejas evangélicas mais novas e as pentecostais tendem a reagir contra o culto católico à Santa Cruz, primeiramente dizendo que os católicos transformaram em objeto de culto um instrumento de tortura, que, no Brasil da época da ditadura militar, se chamava de pau de arara. Isso é verdade.
O problema é que a Cruz de Jesus pode ser considerada um símbolo sagrado, se for para que nunca mais, no mundo, ninguém seja torturado ou crucificado. No entanto, infelizmente, a tradição religiosa deu ao culto da Cruz um sentido sacrificial meramente individual e restrito ao sagrado. Chegou a se ensinar que, na cruz, Jesus teria pagado ao Pai a dívida da humanidade pecadora. Esse modo de falar faz de Deus um pai cruel e sádico que não perdoa, a não ser que o seu próprio Filho pague com a vida a dívida dos pecadores. Visão horrorosa de Deus. Além disso, esse modo de devoção à Santa Cruz separa a cruz de Jesus da cruz de todos os oprimidos e da cruz que sofre a Mãe-Terra, explorada e maltratada. Não nos ensina a contemplar a cruz de Jesus na vida nossa de cada dia como missão de doação para transformar o mundo.
Nas antigas religiões orientais, a cruz pode referir-se a diferentes símbolos, principalmente a suástica, ou cruz gamada no budismo, hinduísmo e jainismo. Ali, a cruz representa boa sorte, bem-estar e os passos de Buda. Em algumas espiritualidades indígenas norte-americanas, a cruz representa o encontro da dimensão vertical com a horizontal e significa síntese e união.
O evangelho proclamado nessa festa (Jo 3, 13 – 17) compara a cruz de Jesus com o poste no qual, conforme o relato bíblico do livro dos Números (Nm 11), Moisés pregou a imagem de uma serpente de bronze (que era ídolo cananeu), mas significava o compromisso de Deus com a cura das doenças e epidemias de pele que o povo contraía no deserto. A serpente de bronze, apesar de ser divindade dos cananeus, foi instrumento de cura do povo hebreu no deserto e possibilitou que o povo continuasse o seu caminho para a terra prometida. Assim devemos ver a Cruz de Jesus. Assim como o olhar para a serpente curava, o olhar amoroso e solidário para a cruz de Jesus será caminho de salvação para nós e para todo o mundo. Não para nos ligar meramente a um culto de relíquia religiosa e sim para nos confirmar no caminho da libertação integral. Celebrar a cruz de Jesus é assumir a solidariedade às pessoas e às categorias da humanidade até hoje crucificadas e mortas pelo atual sistema capitalista que domina o mundo e principalmente tomar o cuidado de viver a fé de forma que não testemunhe legitimação de colonialismos e se torne, assim, máscara que esconde maldades estruturais, em nome de Deus.
Esse evangelho que lemos hoje nos repete: Deus amou tanto o mundo que nos deu seu Filho. Deus não julga, nem condena ninguém. Se alguém tem de sofrer na cruz, Ele, o Pai se coloca como voluntário e Ele é o Deus crucificado, porque todo Amor vive a Cruz, não porque goste de sofrer ou porque o sofrimento seja em si bom, mas porque o mundo no qual vivemos ainda é dominado pelo desamor. E quem se doa aos outros vivendo como Jesus viveu testemunha um caminho libertador e salvador.
Que essa celebração da Cruz de Jesus nos recorde que nossa missão é tirar da Cruz todas as pessoas que, ainda hoje, estão sendo torturadas e mortas. Devemos trabalhar com todas as forças que temos para que a cruz das mulheres em sua luta pela igualdade de gêneros, a cruz das pessoas oprimidas por sua orientação sexual diferente da maioria, a cruz das pessoas marginalizadas por qualquer motivo que seja, passe a ser cruz vitoriosa, como foi a de Jesus e assim, deixe de ser cruz. Enfim, cruz como doação de vida por amor ao próximo e não como resignação diante de qualquer sofrimento e nem como ostentação para dizer “sou pessoa cristã”.
Pão da igualdade
Cecília Vaz
Se calarem a voz dos profetas
As pedras falarão
Se fecharem os poucos caminhos
Mil trilhas nascerão
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais
É Jesus este pão de igualdade
Viemos pra comungar
Com a luta sofrida de um povo
Que quer, ter voz, ter vez, lugar
Comungar é tornar-se um perigo
Viemos pra incomodar
Com a fé e a união nossos passos um dia vão chegar
O Espírito é vento incessante
Que nada há de prender
Ele sopra até no absurdo, que a gente não quer ver
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais
No banquete da festa de uns poucos
Só rico se sentou
Nosso Deus fica ao lado dos pobres
Colhendo o que sobrou
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais
O poder tem raízes na areia
O tempo faz cair
União é a rocha que o povo usou pra construir
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais