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Cenáculos de resistência

5º Domingo da Páscoa – Jo 14, 1-12

                                             Redes de comunhão como cenáculos de resistência

                 Neste 5º domingo da Páscoa, a leitura evangélica é João 14, 1 – 12. Este texto faz parte da primeira parte do discurso de Jesus depois da ceia. Na sala que a tradição cristã passou a chamar de “cenáculo” (lugar da ceia), depois de cear com os seus amigos e amigas mais íntimos, Jesus lhes dá suas últimas palavras antes de sair para o jardim onde será preso e, a seguir, condenado e morto. Ele quer preparar os discípulos e discípulas para viverem com ele o caminho pascal da cruz. Se escutamos essa palavra hoje é porque eu e vocês queremos nos colocar ali juntos naquela mesa e  escutar esta palavra de Jesus como dirigida para cada um/uma de nós. 

Que alegria  e importancia fazer parte deste grupo íntimo. Naquela sala estão somente as pessoas mais próximas. Elas nos representam. E Ele nos dá suas recomendações para vivermos a Páscoa dele e as nossas Páscoas, em meio a todos os problemas e desafios do mundo. Temos de entender bem essas palavras que hoje nos vêm do Cristo ressuscitado e não mais do Jesus antes de morrer. Conforme afirma o evangelho, naquela noite, no cenáculo, aquele grupo teve dificuldade de compreender e nós também ainda temos.

 

Na paixão de Jesus, certamente, o mais duro não foi o sofrimento físico. O pior foi o aparente fracasso do seu projeto. Foi constatar que a sua proposta não pegou. Ele sabia que, naquela mesma hora que estava ali falando e abrindo o coração com seus amigos e amigas, Judas, um do grupo, estava se encontrando com os inimigos para traí-lo. Sabia que, na hora H, todos os outros iriam fugir. Naquela mesma noite, Pedro, o mais ligado a ele, por três vezes, iria negar que o conhecia. Nenhum deles aceitava o que o Mestre propunha. Não penetravam na intimidade do projeto de Deus pelo qual Jesus vivia e pelo qual iria dar a sua vida. Por que? Porque cada um dos discípulos e cada um de nós ainda mantemos um projeto pessoal próprio. Não basta gostar de Jesus. É preciso aderir ao seu projeto pascal.  

 

Mesmo assim, mesmo diante da quase impossibilidade de ser compreendido, a palavra dele ao grupo é de pura afeição e terno encorajamento. Ele diz: Vocês aderem a Deus (a palavra emouna em grego é o termo do qual vem o nosso Amém)  que significa eu topo, colo nisso. A fé seria isso: colar em Deus. Jesus afirma: Vocês estão assim agarrados a Deus. Pois, então, agora se agarrem do mesmo modo em mim... Foi então que ele afirmou: “Na casa do meu Pai há muitas moradas”.

 

Um padre iniciou o comentário deste evangelho perguntando à comunidade: - Quando nós morrermos, vamos para onde? Todos responderam: - Para o céu. 

Este tipo de comentário soa como se Jesus tivesse dito assim: “O céu é um hotel de cinco estrelas. Fiquem tranquilos! Vou lá e preparo um apartamento de luxo para cada um de vocês”. 

A perspectiva do evangelho de João nunca foi, nem poderia ser essa. Há  outro lugar do evangelho no qual aparece a mesma expressão: a casa do meu Pai. É quando Jesus expulsa do templo os vendedores de animais para os sacrifícios. Naquela ocasião, Ele diz: "Não façam da casa do meu Pai um covil de ladrões (Cf. Jo 2, 13 ss). A expressão é a mesma: a casa do meu Pai. Então, naquele discurso de despedida, Jesus também não estava falando da "casa do meu Pai" como se fosse o céu, depois da morte. 

A proposta de Jesus era preparar a sua comunidade  para o caminho pascal. Isso implicava enfrentamento social com os inimigos. Naquele momento de crise, era preciso fortalecer os discípulos e discípulas. Então, ele se referia a algo atual que pudesse ser força para eles e elas. Jesus fala da “casa do meu Pai” no sentido simbólico, como quando a gente diz: Fulano é de casa. Pertence ao mais íntimo daquele círculo ou daquela família. Jesus diz que vai nos colocar na intimidade mais profunda e íntima com o Pai. E aí continua: Nessa intimidade, há lugar para a diversidade. Não tem que ser todo mundo do mesmo jeito. “há moradas para muitos”. O termo grego Monai que se traduz aí por moradas, na época, se referia a uma espécie de barraca de acampamento que garantia que quem vinha no caminho pudesse descansar e refazer as forças. No meio da escalada pascal, Jesus que foi chamado no prólogo do evangelho de “tenda armada por Deus no mundo” (O Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós), agora diz que as tendas são muitas e todas abertas à intimidade do Pai. 

 

É importante sublinhar isso porque quando Filipe diz que quer ver o Pai e Tomé pergunta pelo caminho, Jesus responde que quem o vê, está vendo o Pai (Deus assume para nós o rosto de Jesus) e afirma: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". Por causa dessas palavras, há quem conclua que só o Cristianismo está certo e que todas as outras religiões estão erradas. Como se Jesus tivesse falado de religião. Ele já tinha acabado de dizer que as barracas, as tendas da intimidade do Pai são muitas, são diversas. Então, o que significa que só se vai ao Pai através dele? É que ele assume essa diversidade de caminhos humanos, respeita e acolhe todas elas. Assume tudo o que é humano. Hoje, nos diz que nossas pequenas comunidades, nossos grupos, seja a Igreja doméstica que formamos, seja grupos de diálogo e oração, por menores e mais frágeis que sejam, são tendas divinas em que Ele vem habitar e caminhar conosco nas estradas da vida. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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