Nas travessias do deserto, uma nova descoberta de Jesus
Nesse domingo (18º do ano B), as Igrejas que seguem o calendário litúrgico ocidental propõem que continuemos a leitura do capítulo 6 do evangelho de João. No domingo passado, lemos o texto no qual Jesus alimenta a multidão e quando percebe que o povo quer fazê-lo rei, ele os deixa e sobe a montanha sozinho para orar. Conforme o evangelho, os discípulos tomam a barca sem Jesus e no trecho que lemos hoje o povo o procura do “do outro lado do mar”.
O povo descobre que Jesus não está na barca dos discípulos e o procura. Penso que isso se dá até hoje. Nem sempre Jesus está na barca dos discípulos. Muitas pessoas percebem que os discípulos (as Igrejas) que deveriam ser os instrumentos para que as pessoas encontrem Jesus não ajudam. Jesus não está na barca deles e ninguém sabe como chega “do outro lado do mar”, isso é vai para além das fronteiras do seu país, da sua cultura e das Igrejas. O povo o encontra “para além do mar”, no deserto. Como o Israel antigo encontrou a Deus no deserto.
Hoje, as Igrejas e religiões armam um verdadeiro circo para atrair pessoas. E Jesus se encontra no deserto. O evangelho mostra um desencontro profundo entre o tipo de procura que as pessoas vivem e a busca mais profunda que Jesus propõe. Muita gente o busca porque comeu dos pães e ficou satisfeito. Geralmente, os padres e pastores interpretam essa palavra fazendo uma divisão entre o material e o espiritual. Jesus não teria vindo para satisfazer as necessidades materiais. Essa interpretação espiritualista converte o evangelho em filosofia platônica. É mais na linha do espiritualismo grego do que da espiritualidade bíblica. O evangelho de João não divide material e espiritual e sim o imediato e o plano mais profundo da Vida. O imediato, a busca interesseira pode ser material. Há gente que busca Jesus para conseguir dinheiro, casa, saúde, etc, mas só isso e de forma que não vai além do interesse egoísta e imediato. No entanto, esse imediatismo que Jesus rejeita pode ser também espiritualista. Há grupos e pessoas religiosas que fazem de Jesus tapa-buraco de suas carências psicológicas, suas necessidades morais e religiosas. Fecham Jesus na gaiola da lei, dos ritos, dos costumes, ou pior ainda como os discípulos dos quais ele se afastou: estavam atrás do poder que poderiam obter ao estar do lado deles. Até hoje, quantos clérigos estão mais interessados no poder sagrado que pensam ter recebido de Deus do que no próprio Deus. No texto original, o evangelho diz que o povo encontrou Jesus depois que esse tinha eucaristicamente distribuído os pães. Acho que isso é um sinal de que quando o evangelho diz que as pessoas não compreenderam o sinal que Jesus havia feito está se referindo aos cristãos do final do século I (a comunidade joanina que não tinha mais perigo de esperar de Jesus que ele distribua pão e só. O perigo dessa comunidade era o da Igreja Católica de hoje: de não entender a ceia de Jesus como sinal que aponta para mais além. O perigo era na comunidade de João e é o perigo hoje o de ficar no sacramentalismo. No fazer da eucaristia um ato idolátrico. Jesus se afastou dos discípulos e nem aceitou entrar na barca deles porque não aceitou quando quiseram fazer dele rei. Mas, não é isso que até hoje, muitas Igrejas e comunidades fazem?).
Esses grupos até hoje continuam a fazer a pergunta daquelas pessoas que encontraram Jesus em Cafarnaum: “O que devemos fazer para realizar as obras de Deus?”. Entendem as obras de Deus como os atos religiosos. Jesus responde: Deus só pede de vocês que creiam no Filho, isso é, sejam capazes de aderir à manifestação de Deus na pessoa humana de Jesus e acolher o seu projeto de VIDA.
Nesse sentido, Jesus é o pão da vida. Vida com V maiúsculo. Vida plena. O que atualmente os índios estão chamando “o bem-viver” e o evangelho chamará de “vida em plenitude”. Ele nos chama para uma espiritualidade da VIDA. É a luta pela vida de todos e a defesa de tudo o que leva a mais vida que faz de nós discípulos e discípulas da proposta de Jesus e de sua pessoa. É isso que torna a vida toda eucarística, isso é, ação de graças e comunhão.