Comandante Che: Presente!
Nesta sexta-feira, completam-se 53 anos do assassinato de Ernesto Che Guevara. Ele foi preso e executado sumariamente por um mercenário norte-americano, a serviço do Império. O assassino julgava que matando o Che, eliminaria a resistência e a luta dos povos oprimidos. E para aterrorizar o povo, expôs o corpo ensanguentado do guerreiro morto e espalhou sua imagem. No entanto, o tiro que quis calar o Che não acabou com sua causa. Ao contrário, serviu para propagar sua mensagem de inconformidade com a injustiça e sua confiança revolucionária na libertação da humanidade. Para parafrasear Thomas Borges, Che é dos mortos que nunca morrem.
Entre o mundo no qual o Che viveu e a sociedade que vivemos hoje, apesar de algumas conquistas no campo da consciência social, a realidade social, política e econômica se agravou. O império perdeu o resto de vergonha e tirou a máscara de civilização que ainda usava. Assumiu a barbárie e segue a sua luta insana e cruel para esmagar a liberdade onde quer que ela brote. No entanto, o grito sufocado dos pobres e da Terra sempre acorda a teimosia esperançosa dos revolucionários do mundo.
Uma novidade é que, talvez mais do que na época do Che, setores do Cristianismo e de outras religiões se dão conta de que se Deus existe, só pode ser Amor revolucionário. Deus não pode ser de direita. E a fé não pode aceitar um Cristianismo amancebado com impérios colonizadores e com a elite necrófila de nossas sociedades. É preciso uma espiritualidade libertadora que descolonize a religião e socialize o Amor. Já no começo dos anos 60, Guevara escrevia: "Para construir o Comunismo, contemporaneamente à base material, é necessário criar um ser humano novo" (Guevara, 1965, citado por Girardi, 2005, p. 163).
Como outros intelectuais latino-americanos, Che Guevara estava convencido do potencial revolucionário da fé cristã: "Quando os cristãos tiverem a coragem de dar um testemunho revolucionário integral, a revolução latino-americana será invencível. Até agora, os cristãos permitiram que a sua doutrina fosse instrumentalizada pelos reacionários (Guevara, citado por Girardi, 2005, p. 53)".
Em 2017, junto com Dom Tomás Balduíno, João Pedro Stédile e um pequeno grupo de brasileiros/as, participei das comemorações dos 40 anos do martírio do Che Guevara na Bolívia. Vallegrande é uma cidade perdida no vale que realmente é mais do que grande (enorme). Açoitada pelos ventos frios que vem dos contrafortes dos Andes, a pequena cidade foi fundada pelos espanhóis no começo do século XVII e até hoje se mantém isolada entre caminhos de terra que desanimam qualquer viajante menos afoito. La Higuera permanece até hoje um pequeno povoado de cem habitantes. Fica a sessenta quilômetros adiante, no meio das montanhas e testemunha o local do martírio do Che. Ali se encontra o Grupo Escolar onde o Che foi preso e executado sumariamente. Hoje, esta casa é um museu comunal.
Quem vê o isolamento daquelas montanhas e a falta total de preparo de sua população, fica difícil compreender como o Comandante poderia imaginar que sua presença ali, naquelas paragens isoladas e cumes quase intransponíveis, poderia suscitar nas cidades grupos de resistência à ditadura boliviana e assim incendiar o mundo com a revolução da justiça.
Na época, o Che foi ignorado pelo próprio povo ao qual ele queria libertar e foi vergonhosamente traído pelo Partido Comunista Boliviano que, ele, o Che, imaginava revitalizar e ligar mais com as bases. Abandonados na montanha, o Che e seus companheiros foram facilmente presos por militares bolivianos, assessorados por norte-americanos da CIA. Estes prenderam todo o grupo, mataram a todos, alguns em combate e outros, como o próprio Che, em um assassinato frio.
Em 2017, estive no memorial construído pelos cubanos sobre o fosso onde jogaram o seu corpo (ao lado do pequeno aeroporto de Vallegrande). Ali, estão as fotos dos companheiros caídos e o fosso onde jogaram os corpos dos seis guerrilheiros (entre os quais o Che). Ali coordenei uma oração ecumênica que, apesar de ser curta e sóbria, expressava a profunda comoção que nos dominava.
Até hoje, o tanque de pedra sobre o qual os militares jogaram o corpo nu e todo ferido do Che continua cheio de pequenas inscrições e recados com nomes de pessoas que saúdam o Che e pedem a graça de reviver o seu espírito. Aquela pedra lembra que a causa pela qual ele deu a vida continua atual e, mesmo parecendo extremamente frágil, nunca é vencida.
Há 53 anos, o Che foi apresentado ao mundo como um guerrilheiro fracassado, pobre e despojado. Não poucas pessoas o compararam com o Cristo morto na cruz. Não o Cristo doce e romântico da tradição cristã que olha a cruz como sacrifício religioso. O Che revive o Cristo revolucionário dos inconformados com a iniquidade do mundo que aceitam dar a vida para transformá-la.
Em certos setores, o Che é apresentado como símbolo de violência. Não se pode julgá-lo assim já que as condições históricas da época do Che eram diferentes das atuais. O direito da insurreição dos oprimidos e mesmo da luta armada como opção justa são reconhecidos em casos extremos até por documentos da Igreja. O Comandante Che foi mais espiritual do que se tivesse sido adepto de alguma religião. Sua dimensão evangélica se manifesta na universalidade de sua doação pela humanidade. Entre os seus escritos, o Che tem um célebre: “Poema para Cristo”. Diz assim:
“Cristo, te amo.
Não porque desceste de uma estrela,
mas porque me revelaste
que o ser humano tem lágrimas e angústias
e chaves para abrir as portas fechadas da luz.
Sim, tu me ensinaste que o ser humano é Deus,
um pobre Deus crucificado como tu.
E aquele que está à tua esquerda no Gólgota,
o mau ladrão, também é um deus.
Cristo, te amo”.
(Che Guevara, Nandahuauzu, Bolívia, outubro de 1967).
Com toda a força interior e a disposição da doação, que todos e todas que estiverem de acordo digam comigo: Comandante Che Guevara, Presente!!!!