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Como alguém, rico e de direita, pode se salvar

XXXI Domingo comum: Lc 19, 1 – 10.

Marcelo Barros

Para quem conhece o evangelho de Jesus, é difícil compreender como pode ocorrer que, entre os dez brasileiros mais ricos, dois sejam pastores de Igrejas cristãs. Eles se declaram pentecostais e pregam a Teologia da Prosperidade (Dê dinheiro ao pastor que Deus lhe abençoará e lhe fará prosperar). Também alguns dos padres católicos, cantores, cujos nomes são mais conhecidos nas televisões, possuem imensa riqueza. Para uma apresentação, alguns exigem cachês de mais de cem mil reais. 

“Pode um rico ser salvo?” era o título de um livro de Clemente de Alexandria, bispo e teólogo cristão no início do século III. Era a pergunta comum de irmãos e irmãs no final do primeiro século que tinham acompanhado o testemunho de fé do evangelho de Lucas, certamente, o mais radical dos escritos evangélicos no que diz respeito à possibilidade de pessoas ricas pertencerem à comunidade. Como, ironicamente, ocorre na sociedade brasileira: quem vive em “comunidade” é a gente pobre que mora nos subúrbios e morros de periferia. Rico vive em condomínio. Como Lucas narrou na história do homem rico que queria ser discípulo de Jesus, o mestre deixou claro que dificilmente alguém rico pode viver o caminho do reinado divino no mundo.

Neste XXXI domingo comum do ano C, o evangelho lido nas comunidades é Lucas 19, 1 – 10. Conta que em seu caminho para Jerusalém, Jesus chegou na última etapa da viagem: Jericó. É  a cidade que, conforme o livro de Josué, tinha sido, antigamente, fronteira da terra prometida. É ali na  fronteira para a última parte da peregrinação a Jerusalém que Jesus tem um dos seus encontros mais estranhos e decisivos. Na porta da cidade, tinha curado um cego, mendigo, que passou a segui-lo como discípulo. Símbolo do povo bíblico que pode ser iluminado para seguir Jesus. Mas, agora, se segue um encontro desconcertante. O evangelho conta que, ali em Jericó, morava um homem chamado Zaqueu.

O modo como o evangelho o apresenta não é simpático. Zaqueu é figura importante em Jericó, mas de forma odiosa. É chefe dos cobradores de impostos, aliado dos romanos e visto pelo povo como gente que não é de confiança. É publicano e rico. Portanto, estava sub-entendido: um homem corrupto. O evangelho acrescenta que Zaqueu era de estatura baixa. Na sociedade antiga, esse era um modo de apresentá-lo como ridículo.

Zaqueu quer conhecer Jesus, mas tem consciência das suas dificuldades: é pecador. Além disso, Jesus sempre anda rodeado de muita gente. Essas pessoas do círculo de Jesus não olhavam aquele publicano corrupto, amigo dos romanos, com bons olhos. Portanto, Zaqueu sabe que não será bem acolhido pelo grupo mais próximo de Jesus. Ao mesmo tempo, procura ver Jesus, mesmo de longe, mas não pode, porque é baixinho.

Zaqueu faz uma coisa que não parece própria de alguém adulto e que se considera importante: sobe em um sicômoro (um tipo de figueira grande). Zaqueu se esconde na árvore para, ao menos de longe, ver Jesus, quando este passasse por ali. Mas aí vem a surpresa. Conforme o evangelho, não é Zaqueu que vai até Jesus. É Jesus que sai do seu caminho, vem até embaixo daquela árvore, fora da estrada e do caminho dele  e diz:

- Zaqueu, desce depressa que hoje eu devo ficar na tua casa.

Zaqueu não pergunta porque Jesus deve ficar em sua casa. Desce da árvore a toda pressa e, com muita alegria, recebe Jesus em casa.

Mas, aquele gesto de Jesus não agrada a muita gente. Ao contrário, o evangelho chega a dizer: “Ao verem aquilo, todos começaram a murmurar contra Jesus e diziam: “ele foi se hospedar na casa de um pecador”. Se antes, no começo do capítulo 15, eram os fariseus e professores da Bíblia que falavam mal de Jesus por este conviver bem com gente de vida errada, agora o evangelho diz que não só os religiosos do templo que falam mal da atitude de Jesus. São “todos”. Todos quem? Os discípulos também? Lucas parece bem pessimista. Desta vez, Jesus não conta com ninguém do lado dele. Mas, o evangelho diz que ele parece ligar pouco para isso.

 Zaqueu é que reage e promete: “Vou dar metade dos meus bens aos pobres e se explorei alguém, vou restituir quatro vezes mais.

Jesus conclui: - Hoje a salvação entrou nesta casa, pois este também é filho de Abraão, porque o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido. 

Neste episódio, Jesus vai além do que tinha ido no encontro com o homem importante do capítulo 18, o tal rapaz rico, que ao escutar o apelo à partilha com os pobres, desistiu e foi embora. Zaqueu é um rico que aceitou mudar. Acolhe Jesus em sua casa e aceita se converter. Jesus deixa claro o fundamental: “Hoje, entrou a salvação nesta casa”. É a afirmação da graça que é primeira. A novidade do evangelho em relação a tudo o que antes foi dito é justamente que nada impede a graça divina. Ninguém é excluído. Aos pobres, Jesus pede seguimento. Aos ricos como Zaqueu, mudar de vida e partilhar. A todos, a salvação e a graça como dom.

Zaqueu entra na realização da promessa divina da bênção dada por Deus ao patriarca Abraão, do mesmo modo como, no início do evangelho, Maria e Zacarias cantam em seus cânticos. Deus se recorda de sua misericórdia. A vinda gratuita e inesperada de Jesus à casa de Zaqueu lembra isso. A novidade é que, diferentemente do que todos os que o criticavam, poderiam pensar, Jesus declara o que já tinha dito antes: “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”.

  Na atual sociedade brasileira, aquela minoria que Jessé de Souza chama de “elite do atraso” como classe social não muda, não se converte, nem trai os seus propósitos maus. No entanto, em qualquer ambiente e situação, cada pessoa humana é um mistério e sempre pode ser tocada pela graça. Isso ocorreu com muitos santos e santas na história. E acontece, hoje, no meio de nós...

 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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