Carta de Advento que reparto com os irmãos e amigos:
1º Domingo do Advento, 1 de dezembro 2013
“A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura” (papa Francisco na exortação “A alegria do evangelho”, n. 88).
Queridos irmãos e irmãs,
De madrugada, na chácara Maturi, só se ouve, de vez em quando, o barulho de um ou outro avião que se prepara para aterrissar no aeroporto do Recife. É nessa madrugada de silêncio que me acordo para orar e para lhes escrever para partilhar com vocês a alegria e a esperança que me dá a celebração desse novo Advento de 2013.
Os evangelhos lidos no primeiro e segundo domingo do Advento nos falam da vinda do reino de Deus. O estilo apocalíptico dos textos fala de uma manifestação da vinda de Jesus (parusia). Os textos dizem que João Batista prepara os caminhos do Senhor, mas está falando da missão de Jesus na Palestina dos anos 30 ou da vinda no mundo atual para, como diz o prefácio do Advento, “realizar em plenitude aquilo que antes havia prometido”?.
Essas imagens e formas de falar em linguagem apocalíptica, no lugar de ajudar, criam dificuldades para acolhermos e vivermos a boa nova da vinda do reino. A maioria de nós (cristãos não fundamentalistas) não crê mais em uma segunda vinda de Jesus, do modo como a tradição descreve, nem pensa o fim do mundo no estilo dos evangelhos. Mas, então, em que cremos e o que esperamos?
Uma pergunta que faço antes de tudo a mim mesmo: Será que na minha vida existe ainda essa espera que é do reino de Deus no mundo atual, mas que também se concretiza para quem crê em uma manifestação do Cristo? Será que consigo traduzir em termos atuais isso que a Bíblia chama “o dia do Senhor”? Tenho tentado isso ao manter a esperança de buscar sempre viver em Deus e na intimidade do seu amor – e traduzir isso na expectativa e no esforço de construir um mundo novo possível. Bem concretamente, aposto no caminho de um socialismo novo para a América Latina desse começo do século (processo bolivariano) e vivo assim como se fosse grávido do reino de Deus na vida pessoal e no plano social.
Infelizmente, muitos cristãos e muitas vezes, mesmo as Igrejas transformaram essa fé escatológica e essa dimensão de Advento do reino apenas na preparação sentimental (nem litúrgica) do Natal, como se se tratasse de uma espécie de repetição do nascimento de Jesus na carne. Há uma piedade ao “Menino Jesus” como se Jesus continuasse menino e nascendo no mundo hoje. Enzo Bianchi chama isso de “ingênua regressão por demais devota que empobrece a esperança cristã”[1]. Concordo totalmente com essa observação.
No caso da linguagem dos evangelhos para as primeiras gerações cristãs, a insistência era na vigilância. E ao dizer “Vigiai”, o evangelho queria dizer “prestai atenção”. Em primeiro lugar que ninguém vos engane. Em primeiro lugar, com promessas religiosas ilusórias. “Se alguém vos disser: “ali está o Cristo, não acrediteis”. É incrível como, ainda em nossos dias, há pessoas de fé que acreditam em aparições e misturam a fé com ilusões religiosas que nada têm a ver com o evangelho do reino.
As dificuldades e reações contrárias que o papa Francisco encontra nos próprios ambientes eclesiásticos para levar à frente sua proposta de renovação eclesial a partir das Igrejas particulares enfrenta esse obstáculo: muitas pessoas estão habituados a buscar o Cristo na religião da lei e no culto sacrificial e do poder. Não ouvem mais o apelo dos mensageiros (anjos) que anunciam a alegria da encarnação, (no Natal), da ressurreição, (na Páscoa), do reino de Deus no mundo e da nova evangelização (Francisco), baseada não tanto em uma ação religiosa arrogante e proselitista e sim em um evangelismo vivido dentro de nós na radicalidade do amor. Desejo a cada um/uma de vocês a alegria de renovarmos a fé nessa perspectiva nova do Advento do reino hoje em nossas vidas.
Um abraço do irmão Marcelo