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Conversa e artigo semanal, terça feira, 28 de agosto 2012

Hoje recebi o convite do meu amigo Edival Cajá, grande militante político e educador popular, para participar de um ato de comemoração de um ano do Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco no auditório do Ministério Público no centro do Recife. Fui e como sempre era o único religioso presente. Havia umas 50 pessoas de vários partidos e movimentos. Muitos jovens de diretórios estudantis e secundaristas. Algumas personalidades como o filho do Francisco Julião, líder das antigas ligas camponesas de Pernambuco, no início dos anos 60, Abelardo da Hora, artista e pintor de Recife e autoridades do judiciário. Convidaram-me para falar e várias pessoas deram depoimentos importantes. Eu saí com mais esperança de que essa investigação da verdade possa nos ajudar a não abrir mão dos princípios e valores pelos quais tantos irmãos e irmãs deram ou arriscaram a vida pela justiça. 

Reparto com vocês o artigo semanal que nessa semana publiquei em vários sites e em alguns jornais: 

Memória insurgente

No Brasil, várias categorias de trabalhadores estão em greve. Na América Latina, movimentos populares do Paraguai resistem ao golpe parlamentar que derrubou a democracia e privilegiou as multinacionais do agronegócio contra os pequenos lavradores. Em outros países, comunidades indígenas e movimentos populares aprofundam um caminho de libertação que se denomina bolivariano porque se realiza a partir da educação e da valorização das culturas autóctones. Desde o seu início, esse processo social e político, contou com a participação de muitos pastores e cristãos de várias Igrejas. Em 1968, na 2ª conferência do episcopado latino-americano em Medellin, os bispos católicos do continente afirmaram que a Igreja deveria ser libertadora “de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro” (Cf. Conclusões de Medellin, 5, 15). Foi obedecendo a essa inspiração que, em nome da fé e para realizar no mundo o projeto divino de justiça e paz, muitos irmãos e irmãs arriscaram a vida e muitos seguiram a Jesus no martírio.

 Assim como nos primeiros séculos do cristianismo, também nas últimas décadas, a Igreja latino-americana foi agraciada com o testemunho de vida e doação desses numerosos mártires da caminhada de libertação. A Igreja de Goiás, Goiânia e de todo o Centro-oeste pode se orgulhar de ter em sua história recente gerado e fortalecido vários desses irmãos, testemunhas do Evangelho. Entre eles, brilha a figura do padre Francisco Cavazzutti que, vítima de um atentado à bala, resistiu e está vivo. Embora cego, continua firme no testemunho da justiça e da paz. Nessa semana, celebram-se os 25 anos do atentado que o padre Chico sofreu quando, na noite de 27 de agosto de 1987, saía de uma celebração em uma capela da paróquia de Mossâmedes. A mão que atirou a bala foi de um pistoleiro profissional, mas a cabeça que ordenou o crime é de um sistema que continua forte e livre na opressão aos empobrecidos e na destruição da natureza. Naquele tempo, eu estava em Goiás e o acompanhei no hospital e durante todo o tempo de recuperação. 

Nesses dias, o padre Francisco Cavazzutti está de volta a Goiás e Goiânia. Vários eventos recordam o seu martírio e agradecem a Deus sua fidelidade. Entretanto, a homenagem mais verdadeira que se pode fazer a ele e tantos outros que deram sua vida pela justiça é não deixar que morra o modelo de Igreja pelo qual Chicão e tantos companheiros e companheiras consagraram a vida e deram tudo de si. Nosso irmão profeta, Dom Pedro Casaldáliga nos ensinou que uma Igreja que esquece ou deixa de celebrar seus mártires está esquecendo ou ignorando o evangelho de Jesus.

Na mesma data do atentado sofrido pelo padre Chico, em 1999, no Recife, falecia Dom Hélder Câmara. Poucos dias antes, um jornalista lhe perguntava se ele tinha alcançado os objetivos a que dedicou toda a sua vida no serviço aos mais empobrecidos. Dom Hélder respondeu sem hesitar: “Não! Consegui muito pouco, mas prometo dedicar até o último suspiro de minha vida por essa causa que foi a de Jesus, meu mestre e é a de todos os que têm fome e sede de justiça”. Nesse mesmo dia, em 2007, também partiu desse mundo, Dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana, pastor comprometido com o testemunho do amor de Deus.

É urgente recordar esses profetas e agradecer a Deus por termos ainda conosco irmãos como o padre Francisco Cavazzutti. Embora frágil, ele se rejuvenesce cada vez mais no testemunho pelo qual consagrou sua vida. Ele e tantos outros irmãos e irmãs da caminhada interpelam a nossa Igreja para que não se deixe seduzir pela tentação do acomodamento, pelo gosto do poder e pela miragem do prestígio mundano. Quando a Igreja passa a olhar apenas para si mesma e se preocupa apenas com suas atividades internas, se torna idólatra. Deixa de ser sinal de Jesus Cristo e apresenta uma imagem mesquinha e indigna de Deus. Ainda bem que, nas periferias, com ou sem apoio oficial, as comunidades e pastorais proféticas continuam obedecendo a voz do Espírito que sopra onde quer. Como disse Paulo, “onde houver espírito de liberdade, aí está o Espírito de Deus” (2 Cor 3, 17). 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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