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Conversa inicial 26 de dezembro 2011

Deus esvaziado

Neste Natal, ressoam para mim as palavras de Simone Weil, espiritual e filosofa francesa morta em 1943. Para ela, o Natal significa "Deus abandonou Deus. Deus se esvaziou". Há tempos, me dou conta de que a visão que todas as religiões têm de Deus todo-poderoso é relativizada pela Bíblia e pela vida. Na vida concreta, muita coisa acontece que não é vontade de Deus e quando as pessoas pensam que Deus pode tudo, se perguntam: por que ele permite o sofrimentos dos inocentes e tanta injustiça e crueldade sobre a face da terra. Do outro lado, desde jovem, costumo cantar ou rezar o texto de Paulo aos filipenses: "Cristo não fez questão de sua igualdade ao Pai, mas esvaziou-se de si mesmo e assumiu a condição humana" (Fl 2, 5 ss. 

Isso que em grego o apóstolo chamou de Kenosis e o latim traduziu por exinanitio, em português, a palavra mais certa é esvaziamento. Deus esvaziado da sua divindade, ou do que os homens consideram como sendo atributos da divindade. A partir daí sim podemos descobrir o divino no próprio humano, primeiramente no outro e a partir do outro em nós mesmos, assim como manifestando-se em todo o universo. Hoje pela manhã ia tomar café e passar do meu quarto à sala que fica na outra casa na chácara (de Ricardo e Malu) quando percebi que um pequeno sabiá caiu do ninho. E não podia ainda voar. Debateu-se no chão, equilibrou-se nas duas patinhas e começou a correr entre a grama. Graças a Deus, não havia por ali nenhum gato ou outro predador. No começo, pensei em me aproximar. Mas fazer o que? Mal dei um passo e vi dois sabiás adultos que se aproximaram com cara de ameaça como quem me dizia: Se chegar mais perto, a gente ataca. E eu fiquei ali olhando eles bicando o pequeno e lhe incentivando a subir em uma pequena árvore. E ele não conseguia. E os dois (provavelmente mãe e pai, eu penso), voavam e voltavam até que o pequeno conseguiu sair do chão e subir em um galho perto do chão. Mas lá parecia mais seguro. E eu os deixei pensando na insegurança da vida e como há um Espírito que é fonte daquele amor solidariedade ali manifestado e na beleza daquela vida mesmo frágil. Aí fui para a sala e abri o jornal. Na primeira página, a manchete sobre um bebê que foi agredido pelo próprio pai, hospitalizado com hematomas em todo o corpo e morreu no hospital. Como explicar essa loucura sádica de um ser humano? Será que ele não vê mais os passarinhos cuidando de seus filhotes? É Natal. Será que um Deus esvaziado de sua divindade e sem poder conseguirá assumir a humanidade crente ou atéia e nos ajudar a descobrir que a divindade possível para todos os seres vivos é o amor?

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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