Um retiro diferente
Desde algum tempo, venho pensando que Deus me chama não para correr pelo mundo como livre atirador, indo de encontro em encontro e atendendo solicitações esporádicas e isoladas desse ou daquele grupo. Sem me negar a assessorias eventuais, me sinto mais chamado a acompanhar continuadamente os mesmos grupos e projetos. Sinto que isso permite firmar o trabalho em relações de vida, de amizade e de compromisso em comum para o futuro.
Nessa linha, assumi o encargo de acompanhar um “retiro” de um pequeno grupo de amigos. Eram dois casais dos quais sou amigo há muitos anos e pelos quais me sinto responsável como irmão e companheiro de missão. Ficamos juntos quase quatro dias em uma casa religiosa que nos acolheu. Foi um tempo de partilha, de revisão de vida e de colocar em comum nossos sonhos e desejos. O pano de fundo da nossa reflexão comum foi a missão, compreendida não como apenas tarefa a cumprir e sim como sentido a dar à nossa vida. E não apenas como missão individual, mas como missão em dupla ou em casal. Aliás o evangelho diz que Jesus chamou os discípulos em dupla (Mc 1, 14- 20). No caso meu e desses dois casais, todos sentem o peso da idade e nos perguntávamos também que missão temos na idade mais adulta. Alguns se aproximam dos 60, outros como eu já transpomos essa idade. Falamos de como Dom Hélder Câmara via o que ele chamava de “minorias abraâmicas”, pessoas frágeis, no caso de Abraão, mais velho, e ao qual Deus chamava para iniciar toda uma história pessoal e coletiva de salvação e vida nova.
Para isso, vimos a necessidade de reordenar as atividades de modo que não nos dispersemos interiormente em meio à correria que comumente temos de enfrentar. Lemos textos bíblicos que nos chamavam a voltar “ao deserto do coração”, ou seja, à mística do reino, do projeto divino para o mundo. E nesse sentido, retomamos sonhos que já tentamos realizar em outros momentos de nossa história, o desejo de aprofundarmos entre nós uma contínua rede de relações, o propósito de cada um/uma dedicar, cada dia, ao menos um momento de oração ou meditação, na forma e no estilo que quiser (meditação oriental, ioga, oração de Jesus, salmo e evangelho, etc). Isso para cultivar mais profundamente a intimidade com Deus, presente no outro com o qual convivemos, presente em nós mesmos e no universo em torno de nós. Tentamos também estabelecer entre nós um plano de nos encontrarmos ao menos uma vez por ano, nos visitarmos e concretizarmos mais a solidariedade entre nós e com os que nos cercam. Aos que se reuniram ali naqueles dias de meditação e a todos nós, no Apocalipse, podemos ler o que o Senhor nos manda dizer: “Tu esqueceste o teu primeiro amor, o fervor da tua juventude. Vê de onde caíste e retoma o primeiro amor” (Ap 2, 7).