Estou em Parma, na casa geral dos padres xaverianos. Aqui nessa noite, terei a conferência sobre como à luz da fé viver a solidariedade com os mais empobrecidos. Vários grupos cristãos da cidade virão, apesar da neve que bloqueia as ruas e coloca a temperatura em um grau abaixo de zero.
Não consigo preparar o que devo dizer porque dependo do auditório que tenho frente a mim, mas algumas idéias devo lembrar - então faço um esquema.
Primeiramente é bom saber o que significa olhar a vida à luz da fé. O que é a fé. Para nós, cristãos, a fé é o seguimento de Jesus na adesão ao projeto divino: projeto que Jesus chama de reino de Deus. Para estabelecer esse projeto, desde o começo, Deus chamou os últimos - começou por Abraão que a Bíblia chama de "hebreu" (Gen 15), o que na época significava uma pessoa sem terra e sem pátria. Depois a partir de Abraão, Deus escolheu o povo de Israel, diz a Bíblia. E o Deuteronômio esclarece: "não porque é melhor do que qualquer outro povo, não porque tem mais chance do que outros, mas simplesmente porque é pequeno e por ser pequeno e pobre, Deus o ama e o escolhe" (Dt 7, 7ss).
Para isso, Deus dá a lei a Israel e pede "entre vocês, não deve haver ninguém pobre" (Dt 15). Isso quer dizer: vocês têm de construir uma sociedade igualitária e mais justa.
Apesar disso, no primeiro testamento, os professores de Bíblia compreendiam que Deus abençoava os bons e castigava os maus. Esse tipo de visão deixava as pessoas pensarem que os pobres eram pobres por serem mais pecadores do que os outros. Jesus muda essa imagem de Deus. Diz que Deus faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz chover sobre os justos e os injustos (Mt 5). O que é importante é procurar o reino de Deus e sua justiça (Mt 6, 33). E aí sim Jesus diz: muitos dos primeiros serão os últimos e muitos dos últimos serão os primeiros (Mt 19, 30).
Durante a sua história, a Igreja espiritualizou essas palavras e legitimou muitas injustiças dividindo a realidade em natural e sobrenatural. Graças a Deus, na América Latina, desde os anos 70, a teologia da libertação insiste em que Deus se coloca do lado dos empobrecidos. Então, olhar o mundo a partir de Deus é olhar a partir dos empobrecidos.
Havia uma forma de fazer isso nos anos 70. Hoje tem de ser outra forma. Mas, a realidade da pobreza se agravou e é urgente a solidariedade nossa e internacional.
Devo também recordar que hoje o empobrecido não é somente uma categoria social, mas mesmo a terra é explorada e ameaçada pelo sistema dominante do mundo. E assim como temos de libertar os empobrecidos sociais, temos de libertar a terra.