Caros companheiros de caminhada e de esperança,
Hoje, nós que formamos junto com os movimentos sociais e as comunidades humanas (não somente cristãs ou eclesiais) de base, amanhecemos com um gosto amargo na boca e, ao mesmo tempo, com alguns elementos que nos dão esperança.
Parece que a análise de vários companheiros e mesmo a da mídia elitista e reacionária (como Folha de São Paulo) concorda que as manifestações desse domingo mostraram mais a reação da elite branca e de classe média do que uma manifestação de todo o povo brasileiro. Isso não diminui a gravidade da situação. embora não tenha ido às ruas com a elite gritar pelo impeachement e pelo quanto pior melhor. Embora não tenha ido às ruas com a elite gritar pelo impeachement e pelo quanto pior melhor, o povo pobre e das periferias, influenciado pelos grandes meios de comunicação, construtores do golpe que se aproveitam da crise econômica atual, está descontente e insatisfeito com a situação e com o governo.
Reconhecendo as fragilidades e erros de muitos companheiros, sabemos que a presidente e Lula não estão diretamente envolvidos em corrupção. No entanto, há sim um sistema de corrupção que parece generalizado no país. Constatamos que essa aliança de partidos e conluios, feitos com qualquer pessoa para manter poder e prestígio, desfiguram profundamente a dignidade das pessoas e em questão, mas mesmo a dignidade da ação política.
Será que, agora, a Dilma e o Lula serão favoráveis e se colocarão verdadeiramente a favor de uma profunda Reforma Política, coisa que antes, tanto um quanto o outro, não conseguiram encaminhar?
Certamente, um elemento sério da conjuntura atual é a dificuldade da esquerda em lidar com uma situação de pré-golpe, claramente articulado por poderes do Império, os mesmos que atuam na Bolívia, Venezuela, Argentina e em todo o continente.
Por mais grave que seja, toda crise é mais do que apenas uma situação de dificuldades e problemas. Pode ser também ocasião de mudanças e de renovação. O que poderíamos fazer para que essa atual crise social e política brasileira pudesse gerar um movimento de renovação e de vida nova para o país e o povo?
É importante reconhecer que Lula tirou milhões de brasileiros da miséria. Mas, como o governo não investiu suficientemente em mecanismos de educação popular e política, formou mais consumidores do que cidadãos.
E agora, em termos de massa, não contamos com essa mesma categoria de pobres ajudados pelo governo. Eles não têm como perceber que, por trás de toda essa luta política, está um projeto de país que deveria ser deles e ao qual o governo precisaria ser fiel. Além disso, como o governo não investiu na comunicação, não existe no país uma rede de rádio e televisão eficiente e competitiva que explique ao povo o que de fato está acontecendo. Nem o governo Lula, nem a presidente Dilma se esforçaram para democratizar os meios de comunicação, não puseram em prática as decisões das conferências sobre Comunicação que ministros do próprio governo assinaram. Foram mais fieis à Globo e às outras emissoras que hoje os condenam e os destroem.
Lembro-me que em 1962, quando a situação brasileira começava a caminhar na direção do golpe de 64, um grupo da CNBB, sob a inspiração de Dom Helder, criou o MEB – Movimento de Educação de Base – e esse movimento de profissionais e voluntários, através do rádio que era o instrumento que havia na época em todo o Brasil, produziu programas, cursos de alfabetização de adultos e fez o que pode no sentido da educação social e política. Será que conseguiríamos correr contra o tempo e fazer cartilhas, produzir programas de rádio e criar um grande mutirão de conscientização e alfabetização política – criar uma espécie de cruzada de conscientização em todos os níveis possíveis? Sem dúvida, tais medidas na linha da educação popular não serão mais úteis para deter o processo que estamos vivendo nesses dias no plano do governo. No entanto, por mais que o governo seja importante, não é a única bandeira de luta e nem a última. Conseguir construir a partir das bases um projeto para o país e colocá-lo em realização mesmo ainda de forma artesanal, a partir das bases, seria um projeto para um prazo mais longo.
É possível que as tensões aumentem. Aos cristãos, as multidões que estão indo às ruas para pedir impeachement de Dilma, linchamento político de Lula e destruição do PT, podem lembrar que nem . Nessa Semana Santa, celebramos a memória de Jesus, o profeta que viu contra si uma multidão de gente do povo, insuflada pela maquinação dos poderosos da religião e da política gritar: Crucifica-o!
Esperamos que, hoje, no Brasil, essa onda de ódio coletivo e de intolerância não gere nenhuma morte. Nós, cristãos, cremos, como expressou Reginaldo Veloso em um email enviado nesses dias: “que Jesus ressuscitou para continuar animando a fé dos que creem no Projeto dos Empobrecidos e Excluídos e com ele se comprometem até o fim”.
Para todos vocês, uma santa e fecunda celebração dessa Semana Santa e principalmente de uma Páscoa renovadora.
O irmão Marcelo Barros