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Conversa, quinta feira, 13 de novembro 2014

Ontem, tive a conversa com alguns pastores (poucos) sobre como ler a Bíblia a partir dos pobres. Insisti em partir do amor solidário e da ânsia pela libertação de todos. Mostrei como na Bíblia, do começo ao fim, se revela uma linha que aponta para um projeto ou programa de Deus em relação ao mundo e a nós. E aí conversamos sobre os métodos possíveis de serem usados na leitura bíblica, especialmente o diálogo e a formação de grupos de vida, como os círculos de cultura do Paulo Freire.

À tarde, o pastor Fred, meu amigo, me levou para um passeio de carro por Los Angeles. Fomos até Malibu, a praia rica no oceano (Pacífico) sempre azul, um azul tão vivo que impressiona. Gostei de conhecer, mas é uma beleza meio estática e me dá uma impressão quase de artificial. Em um determinado momento, ao ver todos os nomes em espanhol, não pude deixar de comentar: "Tudo isso aqui era México". E Fred me respondeu: "Sim. Os Estados Unidos tomaram do México". 

No começo da noite, uma ceia junto com famílias de migrantes latino-americanos aqui do bairro (North Hills). Gente simples, pobre e muito simpática. As crianças correndo pelo salão, como tomando posse do espaço. E, nas mesas, as pessoas, famílias inteiras, repartindo o alimento. Toda a comida tinha sido trazida por eles. Muita comida: arroz, galinha e crepe salgado... Uma espécie de salada de maionese... Uma comida tipicamente de El Salvador ou Guatemala. E refrigerante. No final, pudim de leite... 

No meio da refeição, um oficial da polícia que me pareceu bem inserido e estimado pelo pessoal (deve ser mexicano) me perguntou: "No Brasil, vocês têm policiais amigos?". Tive vontade de responder: "O único lugar em que eu vi policiais amigos do povo foi na Venezuela bolivariana". Mas não quis ser indelicado e respondi: "No Rio de Janeiro, o governo criou uma polícia pacificadora para as favelas. Mas, conforme algumas notícias e denúncias, ninguém pode trazer paz através da força armada. Só a convivência de igual para igual traz paz e solidariedade. 

Acabo de ler na UOL sobre a morte do poeta Manoel de Barros. Drummond o chamou de "o maior poeta brasileiro vivo". Apesar de não conhecê-lo, tinha profunda admiração por ele e penso que ele exerceu seu carisma de grande poeta como o caráter de um verdadeiro profeta da ecologia, das relações humanas e da verdade mais profunda de cada ser humano. Adorei o filme que fizeram sobre ele e só o título diz muito: "Só 10% é mentira". 

Em homenagem a ele, partilho com vocês dois poemas de Manoel de Barros que recebi, via email, de uma amiga: 

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato

de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza

do homem

é sua incompletude.

Nesse ponto

sou abastado.

Palavras que me aceitam

como sou

— eu não aceito.

Não aguento ser apenas

um sujeito que abre

portas, que puxa

válvulas, que olha o

relógio, que compra pão

às 6 da tarde, que vai

lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu

preciso ser Outros.

Eu penso

renovar o homem

usando borboletas.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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